Subsections


Operadores

Seja $f$ uma quantidade física que caracteriza o estado de um sistema quântico. Os valores que uma dada quantidade física pode assumir são chamados de autovalores . O conjunto dos autovalores é o espectro. Na mecânica clássica as quantidades físicas são contínuas.7 Na mecânica quântica, não necessariamente. Pode haver espectros discretos ou espectros contínuos. Vamos supor, para simplificar, que o espectro de $f$ seja discreto. Os autovalores de $f$ serão denotados por $f_n$, $(n=0,1,2..)$. A função de onda do sistema, no estado em que $f$ tem o valor $f_n$, será denotada por $\psi_n$. Essas funções são chamadas autofunções de $f$. Para cada uma delas,

\begin{displaymath}
\int dq \vert\psi_n\vert^2 = 1
\end{displaymath}

Um dos princípios básicos da mecânica quântica é este:

(I) O conjunto das autofunções de uma quantidade física $f$ é completo. Isto é, dada uma função de onda qualquer $\psi$ do sistema, podemos expandí-la em autofunções de $f$ assim:

\begin{displaymath}
\psi = \sum_{n}a_n \psi_n
\end{displaymath}

onde os $a_n$ são números complexos.

(II)Fazendo-se uma medida de $f$ em $\psi$, a probabilidade de se obter o valor $f_n$ é dada por $\vert a_n\vert^2$.
Em conseqüência, devemos ter

\begin{displaymath}
\sum_{n}\vert a_n\vert^2 = 1
\end{displaymath}

pois $\sum_{n}\vert a_n\vert^2$ é a probabilidade de, medindo-se $f$, obter-se qualquer um dos valores possíveis.

Temos, então, o resultado

\begin{displaymath}
\sum_{n} a_n a_n^* = \int dq \psi \psi^*
\end{displaymath}

Por outro lado, temos

\begin{displaymath}
\psi^* = \sum a_n^* \psi_n^*
\end{displaymath}

logo,

\begin{eqnarray*}
\int dq \psi \psi^* & = & \int \psi \sum_{n}a_n^* \psi_n^* dq...
...\sum_n a_n^* \int \psi_n^* \psi dq\\
& = & \sum_{n} a_n^* a_n
\end{eqnarray*}


de onde se conclui que

\begin{displaymath}
a_n = \int \psi_n^* \psi dq
\end{displaymath}

Finalmente, usando $\psi = \sum_{m} a_m \psi_m$, temos

\begin{displaymath}
a_n = \int dq \psi_n^* \sum_{m} a_m \psi_m = \sum_{m} a_m\int \psi_n^* \psi_m dq
\end{displaymath}

de onde se conclui que

\begin{displaymath}
\int dq \psi_n^* \psi_m = \delta_{nm}
\end{displaymath}

Diz-se então que as autofunções são ortogonais.


Valor médio

Vamos introduzir agora o conceito de valor médio $\overline{f}$ da quantidade física $f$ em um dado estado. Sejam $f_n$ os valores possíveis de $f$, ou seja, seus autovalores . Sejam $\vert a_n\vert^2$ as probabilidades de cada um dos autovalores , no estado em questão. Define-se então o valor médio como

\begin{displaymath}
\overline{f} = \sum_{n}f_n\vert a_n\vert^2
\end{displaymath}

Usa-se também a notação $\langle f \rangle$, para a mesma quantidade. Queremos encontrar uma expressão para $\overline{f}$ em termos da função de onda do estado considerado. Seja $\psi$ esta função. Para fazer isso vamos associar à quantidade física $f$ um operador linear $\hat{f}$ que atua sobre as funções de onda. Seja $\hat{f}\psi$ a função obtida quando $\hat{f}$ atua sobre $\psi$. Queremos, de $\hat{f}$, que

\begin{displaymath}
\overline{f} = \int dq \psi^*(\hat{f}\psi)
\end{displaymath}

para qualquer estado $\psi$ (lembre-se que estipulamos que as quantidades físicas deveriam ser expressões bilineares na função de onda). Então,

\begin{displaymath}
\overline{f} = \sum_{n}f_n a_n a_n^* = \int dq \psi^*\sum_{n}a_n f_n \psi_n
\end{displaymath}

onde usamos $a_n = \int dq \psi^* \psi_n$, obtido anteriormente. Vemos, primeiramente, que

\begin{displaymath}
\overline{f} \psi = \sum_{n}a_n f_n \psi_n
\end{displaymath}

Ora,

\begin{displaymath}
\psi = \sum_{n} a_n \psi_n \;,
\end{displaymath}

de maneira que $\overline{f}$ é linear, e que

\begin{displaymath}
\hat{f}\psi_n = f_n \psi_n
\end{displaymath}

Sumarizando:
$\displaystyle \hat{f}\psi_n$ $\textstyle =$ $\displaystyle f_n \psi_n$ (1)
$\displaystyle \hat{f}$ $\textstyle =$ $\displaystyle \int dq \psi^* \hat{f} \psi$ (2)
$\displaystyle a_n$ $\textstyle =$ $\displaystyle \int dq \psi_n^* \psi$ (3)
$\displaystyle \int dq \psi_n^* \psi_m$ $\textstyle =$ $\displaystyle \delta_{n m}$ (4)

Os valores assumidos por uma quantidade física são reais. Portanto, os valores médios $\overline{f}$ de uma quantidade física são também reais, como se vê de $\overline{f} = \sum_{n}f_n\vert a_n\vert^2$. Note-se (exercício fácil), que, se o estado for uma autofunção de $f$, o valor médio $\overline{f}$ coincide com o autovalor de $f$ nesse estado.

Do fato de $\overline{f}$ ser real segue uma propriedade importante dos operadores associados a quantidades físicas:

\begin{displaymath}
\overline{f}=\int dq \psi^* \hat{f} \psi = \overline{f}^* = \left(\int dq \psi^* \hat{f} \psi\right)^*
\end{displaymath} (5)

Ora,
\begin{displaymath}
\left(\int dq \psi^*(\hat{f}\psi)\right)^* = \int \left(\ps...
...\int \psi(\hat{f}\psi)^* dq = \int \psi \hat{f}^* \psi^* dq
\end{displaymath} (6)

onde $\hat{f}^*$ é definido assim: se $\hat{f}\psi = \phi$, então $\hat{f}^*$ é o operador tal que $\hat{f}^* \psi^* = \phi^*$.8 Então,

\begin{displaymath}
\int \psi^* \hat{f} \psi dq = \int \psi \hat{f}^* \psi^* dq
\end{displaymath}

Vamos definir o operador transposto $^t\hat{f}$ do operador $\hat{f}$. Sejam $\psi$ e $\phi$ funções arbitárias. Então $^t\hat{f}$ é tal que

\begin{displaymath}
\int \psi^{*} (^t\hat{f}) \phi dq = \int \phi \hat{f}\psi^* dq
\end{displaymath}

Por exemplo, para $\psi=\phi$i,

\begin{displaymath}
\int \psi \hat{f}^* \psi^* dq = \int \psi^* (^t\hat{f}^*)\psi dq
\end{displaymath}

Da condição de realidade de $\overline{f}$, Eq.(6), temos
\begin{displaymath}
\int \psi^* \hat{f} \psi dq = \int \psi \hat{f}^* \psi^* dq = \int \psi^* (^t\hat{f}^*)\psi dq
\end{displaymath} (7)

Comparando os dois extremos vemos que

\begin{displaymath}
\hat{f} = (^t\hat{f})^*
\end{displaymath}

Operadores com esta propriedade são ditos hermiteanos. Logo, os operadores associados a quantidades físicas são operadores lineares hermiteanos.

Podemos, formalmente, considerar quantidades físicas complexas, isto é, cujos autovalores são complexos. Por exemplo, dadas as coordenadas $x$ e $y$,podemos considerar a quantidade $x+iy$. Seja $f$ uma quantidade desse tipo, e seja $f^*$ a quantidade cujos autovalores são os complexo-conjugados dos autovalores de $f$. À quantidade $f$ corresponde o operador $\hat{f}$. Denotemos por $\hat{f}^+$ o operador correspondente à quantidade $f^*$. Este operador é denominado o adjunto de $\hat{f}$.

O valor médio da quantidade $f^*$ é dado por

\begin{displaymath}
\overline{f^*} = \int \psi^* \hat{f}^+ \psi dq
\end{displaymath}

onde apenas adaptamos a definição de média de um operador.

Ora,

\begin{displaymath}
\overline{f} = \int \psi^* \hat{f} \psi dq
\end{displaymath}

logo,

\begin{displaymath}
\overline{f}^* = \left(\int \psi^* \hat{f} \psi dq \right)^...
...\psi \hat{f}^* \psi^* dq = \int \psi^* (^t \hat{f})^* \psi dq
\end{displaymath}

Mas

\begin{displaymath}
\overline{f^*} = \sum_{n} f_n^* \vert a_n\vert^2= \left(\sum_{n}f_n \vert a_n\vert^2\right)^* = \overline{f}^*
\end{displaymath}

Ou seja,

\begin{displaymath}
\int \psi^* \hat{f}^+ \psi dq = \int \psi^* (^t\hat{f})^* \psi dq
\end{displaymath}

Comparando, temos

\begin{displaymath}
\hat{f}^+ = (^t\hat{f})^*
\end{displaymath}

Em palavras, o adjunto é o transposto do conjugado.

A condição de hermiticidade de um operador, escrita anteriormente como

\begin{displaymath}
(^t \hat{f}) = \hat{f}^*
\end{displaymath}

pode agora ser escrita:

\begin{displaymath}
\hat{f} = \hat{f}^+
\end{displaymath}

e os operadores hermiteanos são aqueles que coincidem com os adjuntos. Daí serem chamados também de auto-adjuntos.

Vamos agora mostrar que a ortogonalidade das autofunções de um operador hermiteano pode ser demonstrada diretamente. Sejam $f_n$ e $f_m$ dois autovalores diferentes do operador hermiteano $\hat{f}$. Sejam $\psi_n$ e $\psi_m$ as autofunções correspondentes. Então,

$\displaystyle \hat{f}\psi_n$ $\textstyle =$ $\displaystyle f_n \psi_n$ (8)
$\displaystyle \hat{f} \psi_m$ $\textstyle =$ $\displaystyle f_m \psi_m$ (9)

Multiplicando a primeira por $\psi_m^*$, temos

\begin{displaymath}
\psi_m^* \hat{f}\psi_n = \psi_m^* f_n \psi_n = f_n \psi_m^* \psi_n
\end{displaymath}

e
\begin{displaymath}
\int dq \psi_m^* \hat{f} \psi_n = f_n \int dq \psi_m^* \psi_n
\end{displaymath} (10)

Tomando o complexo conjugado de (9) e multiplicando por $\psi_n$, temos $\psi_n \hat{f}^* \psi_m^* = f_m\psi_n \psi_m^*$. Integrando,
\begin{displaymath}
\int dq \psi_n \hat{f}^* \psi_m^* = f_m \int dq \psi_n \psi_m^*
\end{displaymath} (11)


\begin{displaymath}
\int dq \psi_m^* \hat{f} \psi_n - \int dq \psi_n \hat{f}^+ \psi_m^* = (f_n - f_m)
\int dq \psi_n \psi_m^*
\end{displaymath} (12)

Mas

\begin{displaymath}
\int dq \psi_n \hat{f}^*\psi_m^* = \int dq \psi_m^* (^t\hat...
...dq \psi_m^* \hat{f}^+ \psi_n = \int dq \psi_m^* \hat{f}\psi_n
\end{displaymath}

pois $\hat{f}$ é hermiteano. Logo, o primeiro termo de (12) é zero. Conseqüentemente,

\begin{displaymath}
(f_n - f_m)\int \psi_n \psi_m^* dq =0
\end{displaymath}

e, como $f_n \neq f_m$, segue que

\begin{displaymath}
\int dq \psi_n \psi_m^* =0 \;\;\;\; (n \neq m)
\end{displaymath}

Adição e subtração de operadores

Sejam $f$ e $g$ duas quantidades físicas que podem ter valores definidos simultaneamente. Sejam $\hat{f}$ e $\hat{g}$ seus operadores. Os autovalores da soma $f+g$ são a soma dos autovalores de $f$ e de $g$. Considere o operador $\hat{f}+\hat{g}$, e sejam $\psi_n$ as autofunções comuns a $\hat{f}$ e $\hat{g}$. Então,

\begin{eqnarray*}
\hat{f}\psi_n & = & f_n \psi_n \\
\hat{g} \psi_n & = & g_n \psi_n
\end{eqnarray*}


e, portanto,

\begin{displaymath}
(\hat{f} + \hat{g})\psi_n = (f_n + g_n)\psi_n
\end{displaymath}

Este resultado pode ser generalizado para funções de onda quaisquer, assim:

\begin{displaymath}
(\hat{f}+\hat{g})\psi = \hat{f}\psi + \hat{g}\psi
\end{displaymath}

Neste caso, tem-se

\begin{displaymath}
\overline{f+g} = \int \psi^*(\hat{f}+\hat{g})\psi dq=
\int...
...q + \int \psi^* \hat{g} \psi dq=
\overline{f} + \overline{g}
\end{displaymath}

A multiplicação de operadores é definida assim:

\begin{displaymath}
(\hat{f}\hat{g})\psi = \hat{f}(\hat{g}\psi)
\end{displaymath}

Suponhamos que $\psi_n$ seja autofunção comum a $\hat{f}$ e $\hat{g}$. Então,

\begin{displaymath}
\hat{f}\hat{g}\psi_n=\hat{f}(\hat{g}\psi_n)=\hat{f}(g_n \psi_n)=g_n\hat{f}\psi_n=
g_n f_n \psi_n
\end{displaymath}

e

\begin{displaymath}
\hat{g}\hat{f}\psi_n = \hat{g}(\hat{f}\psi_n) = \hat{g}(f_n \psi_n)=f_n(\hat{g}\psi_n)=
f_n g_n \psi_n
\end{displaymath}

Logo, para as autofunções simultaneas, temos

\begin{displaymath}
(\hat{f}\hat{g} - \hat{g}\hat{f})\psi_n = 0
\end{displaymath}

Isto não é suficiente para se concluir que o operador

\begin{displaymath}
\hat{f}\hat{g}-\hat{g}\hat{f}=0 \; .
\end{displaymath}

Contudo, como o conjunto das autofunções $\psi_n$ é completo, temos, dada uma função de onda arbitrária, que

\begin{displaymath}
\psi = \sum_{n}a_n \psi_n
\end{displaymath}

e

\begin{displaymath}
(\hat{f}\hat{g}-\hat{g}\hat{f})\psi = \sum_{n}a_n(\hat{f}\hat{g}-\hat{g}\hat{f})\psi_n=0
\end{displaymath}

Logo, o operador $\hat{f}\hat{g}-\hat{g}\hat{f}$ é zero como operador, pois leva qualquer função ao valor zero. Note-se que isto foi demonstrado para dois operadores que possuem um conjunto completo de autofunções comuns. No caso geral, esse comutador,

\begin{displaymath}[\hat{f},\hat{g}]\equiv \hat{f}\hat{g}-\hat{g}\hat{f}
\end{displaymath}

é diferente de zero.
Henrique Fleming 2003