Subsections


A Mecânica Quântica Relativista

Introdução

Estas notas reproduzem parte das transparências apresentadas no curso de verão de 2003 do Instituto de Física da USP. A parte relativa à equação de Dirac e à anti-matéria é reproduzida in toto. Resolvemos substituir a parte que tratava de neutrinos e do problema solar por indicações à literatura existente, principalmente na internet, que é de facil acesso e excelente qualidade.

Para o estudo do problema dos neutrinos solares, recomendamos o endereço:

http://www.hep.anl.gov/ndk/hypertext/nuindustry.html
Muitas outras informações sobre o tema, e sobre física em geral, podem ser encontradas no meu site:
http://hfleming.com

O estudo da equação de Dirac na linha aqui apresentada encontra-se em
Sakurai, ``Advanced Quantum Mechanics'', Addison-Wesley Press
e em
T. D. Lee, ``Particle Physics and Introduction to Field Theory''.
Um tratamento elementar, mas de qualidade, sobre a física dos neutrinos encontra-se em
C. Sutton, `` Spaceship Neutrino''


A equação de Schrödinger livre

\begin{eqnarray*}
\vec{p} & \rightarrow & -i\hbar \vec{\nabla}\\
E & \rightar...
...m}\vec{\nabla}^2\Psi = i\hbar\frac{
\partial \Psi}{\partial t}
\end{eqnarray*}


A equação de Klein-Gordon

\begin{eqnarray*}
E^2 & = & \vec{p}^2 c^2+ m^2 c^4\\
E^2\Psi & = & (\vec{p}^2...
...i\\
\left(\Box^2 - \frac{m^2 c^2}{\hbar^2}\right)\Psi & = & 0
\end{eqnarray*}


A equação de Klein-Gordon é de segunda ordem no tempo, o que cria dificuldades com o postulado básico da Mecânica Quântica que diz que o estado de um sistema está completamente determinado (inclusive em sua evolução) se se conhece a função de onda em um instante qualquer. Além disso, a conservação da probabilidade, expressa pela equação da continuidade

\begin{displaymath}
\frac{\partial \rho}{\partial t} + div \vec{j}=0
\end{displaymath} (863)

é satisfeita para

\begin{eqnarray*}
\rho & = & \frac{1}{c}\left(\Psi\frac{\partial \Psi^*}{\parti...
...ght)\\
\frac{\partial \rho}{\partial t}+ div\;\vec{j} & = & 0
\end{eqnarray*}


Problemas
1. $\rho$ pode ter qualquer sinal.
2.A equação de Klein-Gordon não é de primeira ordem no tempo.

A equação de Dirac

Procura-se: equação relativista de primeira ordem no tempo. Uma expressão geral é:
\begin{displaymath}
\alpha_x \frac{\partial \Psi}{\partial x}+\alpha_y\frac{\pa...
...bar}\beta \Psi
= \frac{1}{c}\frac{\partial \Psi}{\partial t}
\end{displaymath} (864)

onde $\alpha_x$, $\alpha_y$, $\alpha_z$ e $\beta$ são matrizes quadradas 4x4, e $\Psi$ é uma matriz coluna de 4 elementos.




Exemplo:

\begin{displaymath}
\alpha_x \Psi = \left(\begin{array}{cccc}
A & B & C & D \...
...rtial x\\
\partial \Psi_4/\partial x
\end{array} \right)
\end{displaymath} (865)




Em termos dos elementos de matriz a equação é:

\begin{displaymath}
\sum_{\sigma}\left((\alpha_x)_{\rho \sigma}\frac{\partial \...
...\right)
= \frac{1}{c}\frac{\partial \Psi_{\rho}}{\partial t}
\end{displaymath}

Todos os elementos das $\alpha$'s e de $\beta$ devem ainda ser determinados. Para isso vamos impôr a condição que, para cada componente $\Psi_{\rho}$, valha a equação de Klein-Gordon, ou seja,

\begin{displaymath}
\left(\vec{\nabla}^2 - \frac{1}{c^2}\frac{\partial ^2}{\par...
...t^2}\right)
\Psi_{\rho} = \frac{m^2 c^2}{\hbar^2}\Psi_{\rho}
\end{displaymath}

A motivação é a seguinte. Considere as equações de Maxwell (escritas no sistema CGS, como todo físico que se preza faz!) na ausência de cargas e correntes:

\begin{eqnarray*}
div \vec{B} & = & 0 \\
div \vec{E} & = & 0 \\
rot \vec{E}...
...ot \vec{B} & = & \frac{1}{c}\frac{\partial \vec{E}}{\partial t}
\end{eqnarray*}


É um sistema de equações lineares, de primeiro grau, que mistura as várias componentes de $\vec{E}$ e $\vec{B}$. Tomando o rotacional da última e usando a penúltima, obtemos

\begin{displaymath}
rot\; rot \vec{B} = -\frac{1}{c^2}\frac{\partial ^2\vec{B}}{\partial t^2}
\end{displaymath}

ou

\begin{displaymath}
\vec{\nabla}\left(\vec{\nabla}. \vec{B}\right)-\vec{\nabla}...
...c{B}
=-\frac{1}{c^2}\frac{\partial ^2 \vec{B}}{\partial t^2}
\end{displaymath}

que é a mesma coisa que

\begin{displaymath}
\Box ^2 B_{\rho} =0
\end{displaymath}

para todo $\rho$. Obtém-se, de modo análogo, que

\begin{displaymath}
\Box ^2 E_{\rho} =0
\end{displaymath}

para todo $\rho$.

Ora, a teoria de Maxwell é relativisticamente invariante, e essas duas últimas relações mostram uma propriedade que essas equações devem satisfazer. Mas elas não são senão as equações de Klein-Gordon para $m=0$. Logo, justifica-se a exigência de que, para cada componente de $\Psi$, a equação de Klein-Gordon seja satisfeita. Resumindo, se $\Psi$ é uma solução da equação de Dirac, exigiremos que

\begin{displaymath}
\left(\Box^2 - \frac{m^2 c^2}{\hbar ^2}\right)\Psi_{\rho} =0
\end{displaymath}

para todo $\rho$.

Interpretação probabilística

Preliminarmente precisamos de uma interpretação probabilística. Gostaríamos de ter

\begin{displaymath}
\rho = \sum_{\sigma}\Psi_{\sigma}^*\Psi_{\sigma}
\end{displaymath}

por ser esta uma quantidade positiva e que generaliza o $\rho = \vert\Psi\vert^2$ da teoria de Schrödinger. Como

\begin{displaymath}
\int d^3x \rho =1
\end{displaymath}

(se a integral é sobre todo o espaço), teremos

\begin{displaymath}
\frac{d}{dt} \int \rho d^3x =0 = \sum_{\sigma}
\int d^3x\l...
...{\sigma}^* \frac{\partial \Psi_{\sigma}}
{\partial t}\right)
\end{displaymath}

Da equação de Dirac se tira

\begin{displaymath}
\frac{1}{c}\frac{\partial \Psi_{\rho}}{\partial t}=
-\sum_...
...}+ i\frac{mc}{\hbar}
\beta_{\rho \sigma}\Psi_{\sigma}\right)
\end{displaymath}

Inserindo esta na penúltima,

\begin{eqnarray*}
0 & = & -c\sum_{\sigma} \sum_{\lambda} \int d^3x \left(
\sum...
...ar}\beta_{\sigma \lambda}\Psi^*_{\sigma}
\Psi_{\lambda}\right)
\end{eqnarray*}


de onde segue que

\begin{eqnarray*}
\beta^*_{\sigma \lambda} & = & \beta_{\lambda \sigma}\\
\alpha^{* k}_{\sigma \lambda} & = & \alpha^k_{\lambda \sigma}\;,
\end{eqnarray*}


ou seja, $\beta$ e as $\alpha$'s são hermiteanas.

Mais precisamente, temos que, com

\begin{eqnarray*}
\rho & = & \sum_{\sigma}\Psi^*_{\sigma}\Psi_{\sigma} \\
\vec{j} & = & c\left(\Psi^* \vec{\alpha} \Psi \right)
\end{eqnarray*}


onde $\vec{\alpha}$ é o ``vetor'' de componentes $(\alpha_x,
\alpha_y,\alpha_z)$, vale

\begin{displaymath}
\frac{\partial \rho}{\partial t} + div \vec{j}=0
\end{displaymath}

Determinação das matrizes de Dirac

Reescrevendo a equação de Dirac como
\begin{displaymath}
\alpha^i \frac{\partial \Psi}{\partial x_i} + \frac{imc}{\h...
...
\beta \Psi -\frac{1}{c} \frac{\partial \Psi}{\partial t} = 0
\end{displaymath} (866)

(onde o primeiro termo representa uma soma sobre $i$) e multiplicado à esquerda pelo operador

\begin{displaymath}
\alpha^j\frac{\partial}{\partial x_j} + \frac{imc}{\hbar}\beta +
\frac{1}{c}\frac{\partial}{\partial t}
\end{displaymath}

temos, após alguns cancelamentos,

\begin{eqnarray*}
& &\alpha^j \alpha^i \frac{\partial ^2 \Psi}{\partial x_j \p...
...2 \Psi -\frac{1}{c^2}
\frac{\partial ^2 \Psi}{\partial t^2} =0
\end{eqnarray*}


Para que isto se reduza a

\begin{displaymath}
\left(\Box ^2 - \frac{m^2 c^2}{\hbar ^2}\right)\Psi =0
\end{displaymath}

devemos ter:

\begin{eqnarray*}
\beta ^2 & = & 1 \\
\alpha ^i \beta + \beta \alpha ^i & = &...
...
\alpha ^i \alpha ^j + \alpha ^j \alpha ^i & = & 2 \delta_{ij}
\end{eqnarray*}


Uma solução para essas equações pode ser construída da seguinte maneira: sejam

\begin{displaymath}
I = \left( \begin{array}{cc}
1 & 0 \\
0 & 1 \end{array} \right)
\end{displaymath}


\begin{displaymath}
\sigma_1 = \left( \begin{array}{cc}
0 & 1 \\
1 & 0
\end{array} \right)
\end{displaymath}


\begin{displaymath}
\sigma_2 = \left( \begin{array}{cc}
0 & -i \\
i & 0 \end{array} \right)
\end{displaymath}


\begin{displaymath}
\sigma_3 = \left( \begin{array}{cc}
1 & 0 \\
0 & -1 \end{array} \right)
\end{displaymath}

As matrizes de Dirac são matrizes 4x4 definidas, em termos das anteriores, assim:


\begin{displaymath}
\alpha^k = \left( \begin{array}{cc}
0 & \sigma^{k} \\
\sigma^{k} & 0 \end{array} \right)
\end{displaymath}


\begin{displaymath}
\beta = \left( \begin{array}{cc}
I & 0 \\
0 & -I \end{array} \right)
\end{displaymath}

ou, mais explicitamente,

\begin{displaymath}
\alpha^1 = \left( \begin{array}{cccc}
0 & 0 & 0 & 1 \\
...
...0 \\
0 & 1 & 0 & 0 \\
1 & 0 & 0 & 0 \end{array} \right)
\end{displaymath}

e assim por diante.

Formulação covariante da equação de Dirac

Queremos colocar a equação de Dirac numa forma em que o tempo e as coordenadas apareçam simetricamente. Notação:

\begin{eqnarray*}
x_1 & = & x \\
x_2 & = & y \\
x_3 & = & z \\
x_4 & = & ict
\end{eqnarray*}


Assim, o invariante relativístico $x^2 + y^2 + z^2 -c^2t^2$ é escrito $x_1^2 + x_2^2+x_3^2+x_4^2$, ou $x_{\mu}x_{\mu}$, que é a mesma coisa que

\begin{displaymath}
\sum_{\mu = 1}^{4}x_{\mu}x_{\mu}
\end{displaymath}

A euqção de Dirac é:

\begin{displaymath}
\alpha^{i}\frac{\partial \Psi}{\partial x_{i}} + \frac{imc}...
...
\beta \Psi + \frac{1}{c}\frac{\partial \Psi}{\partial t} =0
\end{displaymath}

onde $\alpha^{i}\frac{\partial \Psi}{\partial x_{i}}$ é uma abreviação para

\begin{displaymath}
\sum_{i=1}^{3}\alpha^{i}\frac{\partial \Psi}{\partial x_{i}}
\end{displaymath}

Multiplicando a equação de Dirac à esquerda por $(-i\beta)$ e introduzindo a notação

\begin{eqnarray*}
\gamma ^{4} & = & \beta \\
\gamma ^{k} & = & -i\beta \alpha ^{k}
\end{eqnarray*}


para $k=1,2,3$, temos

\begin{displaymath}
\gamma^{i}\frac{\partial \Psi}{\partial x_{i}} + \frac{mc}{\hbar}
\Psi + \beta \frac{\partial \Psi}{\partial (ict)} = 0
\end{displaymath}

ou

\begin{displaymath}
\gamma^{\mu}\frac{\partial \Psi}{\partial x_{\mu}}
+ \frac{mc}{\hbar}\Psi =0
\end{displaymath}

com

\begin{displaymath}
\gamma^{\mu} \gamma^{\nu} + \gamma ^{\nu} \gamma ^{\mu} =
2\delta_{\mu \nu}
\end{displaymath}

Corrente de Probabilidade

Seja $\Psi$ uma solução da equação de Dirac. Definindo

\begin{displaymath}
\overline{\Psi}(x) \equiv \Psi^{\dagger}(x)\gamma_{4}
\end{displaymath}

Então obtém-se, da equação de Dirac,

\begin{displaymath}
\frac{\partial \overline{\Psi}}{\partial x_{\mu}} \gamma _{\mu}
-\frac{mc}{\hbar} \overline{\Psi} = 0
\end{displaymath}

O quadrivetor densidade de corrente de probabilidade, $j_{\mu} \equiv i\overline{\Psi} \gamma_{\mu} \Psi$ é tal que

\begin{displaymath}
\frac{\partial j_{\mu}}{\partial x_{\mu}}=
\frac{1}{c}\left(\frac{\partial \rho}{\partial t}+ div\vec{j}\right)=0
\end{displaymath}

que é a forma 4-dimensional da equação da continuidade.

Soluções especiais: partícula em repouso

Para uma partícula em repouso,

\begin{displaymath}
p_k \Psi =0
\end{displaymath}

onde $p_k$ é o operador ``componente $k$ do momento ''. Equivalentemente,

\begin{displaymath}
-i\hbar\frac{\partial \Psi}{\partial x_{k}} =0
\end{displaymath}

para $k=1,2,3$. Logo, para a partícula em repouso,

\begin{displaymath}
\Psi(\vec{r},t) = \Psi(t)
\end{displaymath}

Com isso, a equação de Dirac fica:

\begin{displaymath}
\gamma _{4}\frac{\partial \Psi}{\partial x_4}=
-\frac{mc}{\hbar}\Psi
\end{displaymath}

Explicitamente, temos

\begin{displaymath}
\left( \begin{array}{cccc}
1 & 0 & 0 & 0\\
0 & 1 & 0 &...
...\\
\Psi_2(t)\\
\Psi_3(t)\\
\Psi_4(t) \end{array}\right)
\end{displaymath}

Autoestados da energia têm a forma

\begin{displaymath}
\Psi(t) = \Psi(0) e^{-\frac{i}{\hbar}Et}
\end{displaymath}

Logo, para essas funções,

\begin{displaymath}
\frac{1}{ic}\left( \begin{array}{cccc}
1 & 0 & 0 & 0\\
0...
...a\\
b\\
c\\
d \end{array}\right) e^{-\frac{i}{\hbar}Et}
\end{displaymath}

Cancelando as exponenciais reduz-se a

\begin{displaymath}
\frac{E}{\hbar c}\left( \begin{array}{c}
a\\
b\\
-c\ ...
...ft( \begin{array}{c}
a\\
b\\
c\\
d \end{array} \right)
\end{displaymath}

Logo,

\begin{eqnarray*}
E & = & mc^2 \\
c & = & d = 0
\end{eqnarray*}


ou seja, as soluções são

\begin{displaymath}
\Psi(t) = \left( \begin{array}{c}
a\\
b\\
0\\
0 \end{array} \right) e^{-\frac{i}{\hbar} mc^2 t}
\end{displaymath}

Todas estas podem ser escritas como combinações lineares de

\begin{displaymath}
\Psi_1(t) = \left( \begin{array}{c}
1\\
0\\
0\\
0 \end{array} \right) e^{-\frac{i}{\hbar}mc^2t}
\end{displaymath}

e

\begin{displaymath}
\Psi_2(t) = \left( \begin{array}{c}
0\\
1\\
0\\
0 \end{array} \right) e^{-\frac{i}{\hbar}mc^2t}
\end{displaymath}


Soluções de energia negativa

Surpreendentemente, porém, a equação

\begin{displaymath}
\frac{E}{\hbar c}\left( \begin{array}{c}
a\\
b\\
-c\ ...
...ft( \begin{array}{c}
a\\
b\\
c\\
d \end{array} \right)
\end{displaymath}

admite a classe de soluções

\begin{eqnarray*}
E & = & mc^2 \\
a & = & 0 \\
b & = & 0
\end{eqnarray*}


como se verifica facilmente. Logo, temos ainda como soluções as combinações lineares

\begin{displaymath}
\Psi_3(t) = \left( \begin{array}{c}
0\\
0\\
1\\
0 \end{array} \right) e^{\frac{i}{\hbar} mc^2 t}
\end{displaymath}

e

\begin{displaymath}
\Psi_4(t) = \left( \begin{array}{c}
0\\
0\\
0\\
1 \end{array} \right) e^{\frac{i}{\hbar} mc^2 t}
\end{displaymath}

Note que se trata de soluções correspondentes a partículas livres e em repouso. Além das soluções esperadas, com energia $E = mc^2$, encontramos outras, totalmente inesperadas, com energia de repouso dada por $E = -mc^2$!

Interação com o campo eletromagnético

Usando, na equação de Dirac

\begin{displaymath}
\gamma_{\mu}\frac{\partial \Psi}{\partial x_{\mu}}+
\frac{mc}{\hbar}\Psi =0
\end{displaymath}

o acoplamento mínimo,

\begin{displaymath}
p_{\mu} \rightarrow p_{\mu}-\frac{e}{c}A_{\mu}
\end{displaymath}

(veja <http://fma.if.usp.br/~fleming/eletromag/index.html>).
Como

\begin{eqnarray*}
p_{\mu} & = & -i\hbar \frac{\partial}{\partial x_{\mu}} \\
A_{\mu} & \equiv & (A_{x}, A_{y}, A_{z}, i\phi)
\end{eqnarray*}


obtém-se:

\begin{displaymath}
\left(\frac{\partial}{\partial x_{\mu}} - \frac{ie}{\hbar c}A_{\mu}
\right)\gamma_{\mu}\Psi + \frac{mc}{\hbar}\Psi =0
\end{displaymath}


A anti-matéria

A proposta de Dirac para resolver o problema dos estados de energia negativa é: todos os estados de energia negativa estão preenchidos, e esta situação é o que chamamos vácuo. Isto faz sentido porque os elétrons são férmions, e, como se sabe, ``só cabe um férmion em cada estado''. Vivemos no meio dos estados de energia negativa mas não os vemos. No entanto, quando um desses elétrons de energia negativa recebe energia suficiente para pular para um estado de energia positiva (esta energia é, no mínimo, $2mc^2$), deixa, no ``mar de estados de energia negativa'' um buraco, e este é observado (como uma partícula de energia positiva e carga positiva, isto é, oposta à do elétron). Logo, quando um elétron de energia negativa pula para um estado de energia positiva, aparecem duas coisas: o próprio elétron, agora ``visível'', e o buraco: chama-se isso de produção de um par elétron-pósitron. O buraco deixado pelo elétron é um pósitron, o primeiro exemplo de anti-matéria.

As soluções de onda plana

Estas soluções, que são estados de momento e energia definidos e arbitrários, podem ser obtidas das de repouso por transformações de Lorentz. Vamos nos limitar a apresentar uma tabela delas. É um exercício simples verificar que as expressões a seguir efetivamente satisfazem as equações de Dirac.
Energia positiva:

\begin{displaymath}
\Psi = \sqrt{\frac{mc^2}{EV}}u^{(1,2)}(\vec{p})e^{
\frac{i}{\hbar}(\vec{p}.\vec{x}-Et)}
\end{displaymath}


\begin{displaymath}
u^{(1)}(\vec{p})=\sqrt{\frac{E+mc^2}{2mc^2}}
\left( \begin...
...c}{E+mc^2}\\
\frac{(p_1 +ip_2)c}{E+mc^2} \end{array}\right)
\end{displaymath}


\begin{displaymath}
u^{(2)}(\vec{p})=\sqrt{\frac{E+mc^2}{2mc^2}}
\left( \begin...
...-ip_2)c}{E+mc^2}\\
\frac{-p_3 c}{E+mc^2} \end{array}\right)
\end{displaymath}

Energia negativa:

\begin{displaymath}
\Psi = \sqrt{\frac{mc^2}{\vert E\vert V}}u^{(3,4)}(\vec{p})e^{
\frac{i}{\hbar}(\vec{p}.\vec{x}+\vert E\vert t)}
\end{displaymath}


\begin{displaymath}
u^{(3)}(\vec{p})=\sqrt{\frac{\vert E\vert+mc^2}{2mc^2}}
\l...
..._1+ip_2)c}{\vert E\vert+mc^2}\\
1\\
0 \end{array} \right)
\end{displaymath}


\begin{displaymath}
u^{(4)}(\vec{p})=\sqrt{\frac{\vert E\vert+mc^2}{2mc^2}}
\l...
...frac{p_3c}{\vert E\vert+mc^2}\\
0\\
1 \end{array} \right)
\end{displaymath}

A função de onda do buraco

Dada a equação
\begin{displaymath}
\left(\frac{\partial}{\partial x_{\mu}} - \frac{ie}{\hbar c}A_{\mu}
\right)\gamma_{\mu}\Psi + \frac{mc}{\hbar}\Psi =0
\end{displaymath} (867)

queremos mostrar que, para cada $\Psi$ que a resolve, existe uma $\Psi^{c}$ que é solução de:

\begin{displaymath}
\left(\frac{\partial}{\partial x_{\mu}} + \frac{ie}{\hbar c...
...
\right)\gamma_{\mu}\Psi ^{c} + \frac{mc}{\hbar}\Psi ^{c} =0
\end{displaymath}

com a propriedade

\begin{displaymath}
\Psi^{c} = S_{c} \Psi ^{*}
\end{displaymath}

onde $S_{c}$ é anti-unitário35. Vamos determinar $S_{c}$. Tomando o complexo-conjugado da equação de Dirac, temos

\begin{displaymath}
\left(\frac{\partial}{\partial x_{k}} + \frac{ie}{\hbar c}A...
...ight)
\gamma _{4}^{*} \Psi^{*} + \frac{mc}{\hbar}\Psi^{*} =0
\end{displaymath}

Aplicando $S_{c}$ à esquerda, termo a termo, tomando o complexo conjugado e aplicando, à esquerda, $(S_{c}^{*})^{-1}$, obtemos

\begin{displaymath}
\left(\frac{\partial}{\partial x_{k}} - \frac{ie}{\hbar c}A...
...ht)^{-1}\gamma_{4}^{*}S_{c}^{*}\Psi
+\frac{mc}{\hbar}\Psi =0
\end{displaymath}

Para que esta equação reproduza Eq.(868), devemos ter

\begin{eqnarray*}
\left(S_{c}^{*}\right)^{-1}\gamma_{k}^{*} S_{c}^{*} & = & \ga...
...S_{c}^{*}\right)^{-1}\gamma_{4}^{*} S_{c}^{*} & = & -\gamma_{4}
\end{eqnarray*}


A solução é

\begin{displaymath}
S_{c} = \gamma _{2}
\end{displaymath}

com $S_{c} = S_{c}^{*}=(S_{c}^{*})^{-1}$. Logo,

\begin{displaymath}\Psi^{c}=\gamma_2 \Psi^{*}
\end{displaymath}

Exemplo:

\begin{displaymath}
\Psi = \sqrt{\frac{mc^2}{EV}}u^{1}(\vec{p})e^{\frac{i}{\hbar}(
\vec{p}.\vec{x}-Et)}
\end{displaymath}


\begin{displaymath}
\Psi^{c}=\gamma_2\Psi^{*}=-\sqrt{\frac{mc^2}{EV}}u^{4}(-\vec{p})
e^{\frac{i}{\hbar}(-\vec{p}.\vec{x}+\vert E\vert t)}
\end{displaymath}

e

\begin{displaymath}
\left(\Psi^{c}\right)^{c} = \Psi
\end{displaymath}

Assim, dada uma solução $\Psi$ de energia negativa $E$, $\Psi^{c}$ é uma solução de energia $(-E)$, positiva, de momento $-\vec{p}$, carga $-e$ e spin no sentido oposto. Trata-se do buraco, que é um pósitron.
Henrique Fleming 2003