O poço duplo.

A energia potencial $U(x)$ consiste de dois poços de potencial simétricos, separados por uma barreira. Na figura abaixo os poços são as regiões I e II, e a barreira tem altura $U_{0}$. Se a barreira fosse impenetrável, haveria níveis de energia relativos ao movimento da partícula em um ou outro dos dois poços, ou seja, duas famílias de níveis iguais, uma em cada poço. O fato de que o tunelamento através da barreira existe na mecânica quântica faz com que cada um dos níveis relativos ao movimento em um dos poços se separe em dois níveis próximos, correspondendo agora a estados da partícula em que ela está nos dois poços.


\begin{pspicture}(0,0)(12,6)
\psline(0,0)(12,0) \psline(6,0)(6,6)
\psbezier[li...
...put[0](6.1,2.3){$E_{2}$}
\uput[0](8,4){$I$}\uput[0](4,4){$II$}
\end{pspicture}


A determinação deste desdobramento de níveis é simples no caso em que se pode usar a aproximação quase clássica. É o que faremos agora. Uma solução aproximada da equação de Schrödinger para a energia potencial $U(x)$, desprezando a probabilidade de passagem pela barreira, pode ser construída com a função quase-clássica $\psi_{0}(x)$, que descreve o movimento com uma certa energia $E_{0}$ em um dos poços (digamos, o poço I), e que é exponencialmente decrescente em ambos os lados do poço I. A normalização aproximada desta função é
\begin{displaymath}
\int_{0}^{\infty}\psi_{0}^2dx = 1
\end{displaymath} (804)

Portanto, para $\psi_{0}$, temos satisfeita a equação de Schrödinger
\begin{displaymath}
\frac{d^2\psi_{0}}{dx^2}+\frac{2m}{\hbar^2}\left(E-U(x)\right)\psi_{0}(x)=0
\end{displaymath} (805)

no seguinte sentido: para $x<0$ a equação é aproximadamente satisfeita porque, tanto $\psi_{0}(x)$ quanto sua derivada segunda, nesta região, são aproximadamente nulas.


Estaremos usando, sem mencionar mais, os seguintes fatos: no caso de um sistema unidimensional confinado, isto é, impedido de alcançar o infinito, a função de onda pode ser tomada como real, e os níveis de energia não são degenerados.


O produto $\psi_{0}(x)\psi_{0}(-x)$, para $x>0$, é desprezível. O potencial como um todo é simétrico. A equação de Schrödinger
\begin{displaymath}
\frac{d^2\psi}{dx^2}+\frac{2m}{\hbar^2}\left(E-U(x)\right)\psi(x)=0
\end{displaymath} (806)

permanece válida quando se troca $x$ por $-x$. Logo, se $\psi(x)$ é uma função de onda, $\psi(-x)$ também o é, para o mesmo valor de $E$. Como não há degenerescência, temos
\begin{displaymath}
\psi(-x)=e^{i\alpha}\psi(x) \;\;\mbox{para} \;\; \alpha
\;\;\mbox{real}
\end{displaymath} (807)

Logo,
\begin{displaymath}
\psi(x) = e^{i\alpha}\psi(-x)=e^{2i\alpha}\psi(x)
\end{displaymath} (808)

e portanto $e^{2i\alpha}=1$, de onde segue que $\alpha = n\pi$. Temos, em conseqüência,
\begin{displaymath}
\psi(-x)=\psi(x)
\end{displaymath} (809)

ou
\begin{displaymath}
\psi(-x)=-\psi(x)
\end{displaymath} (810)

As autofunções da energia deste sistema são, portanto, funções pares ou ímpares de $x$. Isto é uma conseqüência de que $U(-x)=U(x)$. As funções de onda corretas, na aproximação quase-clássica, são obtidas construíndo, a partir de $\psi_{0}$, as funções $\psi_{1}$, simétrica, e $\psi_{2}$, anti-simétrica:
$\displaystyle \psi_{1}(x)$ $\textstyle =$ $\displaystyle \frac{1}{\sqrt{2}}\left[\psi_{0}(x)+\psi_{0}(-x)\right]$ (811)
$\displaystyle \psi_{2}(x)$ $\textstyle =$ $\displaystyle \frac{1}{\sqrt{2}}\left[\psi_{0}(x)-\psi_{0}(-x)\right]$ (812)

Note que a função $\psi_{0}(x)$ não é autofunção do hamiltoniano com a energia potencial $U(x)$, simétrica: é a função de onda que teríamos de a barreira fosse impenetrável. Tanto que $\psi_{0}(-x)$ é desprezível, enquanto que $\psi_{0}(x)$ não o é. De novo, como os níveis não são degenerados, devemos ter energia s diferentes para $\psi_{1}$ e $\psi_{2}$. Sejam
\begin{displaymath}
\frac{d^2\psi_{1}}{dx^2}+\frac{2m}{\hbar^2}\left(E_{1}-U(x)\right)\psi_{1}(x)=0
\end{displaymath} (813)

a equação de Schrödinger para $\psi_{1}$, e
\begin{displaymath}
\frac{d^2\psi_{2}}{dx^2}+\frac{2m}{\hbar^2}\left(E_{2}-U(x)\right)\psi_{2}(x)=0
\end{displaymath} (814)

aquela para $\psi_{2}$. Multiplicando (806) por $\psi_{1}$ e (814) por $\psi_{0}$ e subtraíndo, temos
\begin{displaymath}
\psi_{1}\psi_{0}^{\prime \prime}-\psi_{0}\psi_{1}^{\prime \...
...
\frac{2m}{\hbar^2}\left(E_{0}-E_{1}\right)\psi_{0}\psi_{1}=0
\end{displaymath} (815)

ou
\begin{displaymath}
\frac{d}{dx}\left(\psi_{1}\psi_{0}^{\prime}-\psi_{0}\psi_{1...
...
= \frac{2m}{\hbar^2}\left(E_{1}-E_{0}\right)\psi_{0}\psi_{1}
\end{displaymath} (816)

Integrando de $0$ a $\infty$:
\begin{displaymath}
\int_{0}^{\infty}dx \frac{d}{dx}\left(\psi_{1}\psi_{0}^{\pr...
...left(E_{1}-E_{0}\right)
\int_{0}^{\infty}dx \psi_{0}\psi_{1}
\end{displaymath} (817)


$\displaystyle \left(\psi_{1}\psi_{0}^{\prime}-\psi_{0}\psi_{1}^{\prime}\right)_{0}^{\infty}$ $\textstyle =$ $\displaystyle \frac{2m}{\hbar^2}\left(E_{1}-E_{0}\right)\frac{1}{\sqrt{2}}
\int_{0}^{\infty}dx \psi_{0}\left(\psi_{0}(x)+\psi_{0}(-x)\right)$ (818)
  $\textstyle \approx$ $\displaystyle \frac{2m}{\hbar^2}(E_{1}-E_{0})\frac{1}{\sqrt{2}}\int_{0}^{\infty}\psi_{0}^2$  

onde usamos o fato de $\psi_{0}(x)\psi_{0}(-x)$ ser muito pequeno. Lembrando que as funções que aparecem no primeiro membro se anulam no infinito, temos
\begin{displaymath}
\psi_{0}(0)\psi_{1}^{\prime}(0)-\psi_{1}(0)\psi_{0}^{\prime}(0)
= \frac{m}{\sqrt{2}\hbar^2}(E_{1}-E_{0})
\end{displaymath} (819)




Seja $f(x)$ uma função par. Então,
\begin{displaymath}
f(-x) = f(x)
\end{displaymath} (820)

Consideremos agora a função $\frac{df(x)}{dx}$. Trocando $x$ por $-x$,
\begin{displaymath}
\frac{df(x)}{dx} \rightarrow
-\frac{df(-x)}{dx}
\end{displaymath} (821)

Logo,
\begin{displaymath}
\frac{df(-x)}{dx}=-\frac{df(x)}{dx}
\end{displaymath} (822)

ou seja, se $f$ é par, $f^{\prime}$ é ímpar.


Voltando à (820),

\begin{displaymath}
\psi_{1}(0)=\frac{1}[\sqrt{2}\left[\psi_{0}(0)+\psi_{0}(0)\right]=\sqrt{2}\psi_{0}(0)
\end{displaymath} (823)

enquanto
\begin{displaymath}
\psi_{1}^{\prime}=0 \;,
\end{displaymath} (824)

levando a
\begin{displaymath}
E_{1}-E_{0}=-\frac{\hbar^2}{m}\psi_{0}(0)\psi_{0}^{\prime}(0)
\end{displaymath} (825)

Repetindo agora o cálculo com $\psi_{2}$ e $\psi_{0}$, obtemos, ao longo dos mesmos passos,
\begin{displaymath}
E_{2}-E_{0}=\frac{\hbar^2}{m}\psi_{0}(0)\psi_{0}^{\prime}(0)
\end{displaymath} (826)

Subtraíndo, obtemos
\begin{displaymath}
E_{2}-E_{1}=\frac{2\hbar^2}{m}\psi_{0}\psi_{0}^{\prime}(0)
\end{displaymath} (827)

Um cálculo mais refinado leva ao resultado
\begin{displaymath}
E_{2}-E_{1}=C e^{-\frac{1}{\hbar}\int_{-a}^{a}\vert p\vert dx}
\end{displaymath} (828)

onde $C$ é uma constante, e $-a$ e $a$ são indicados na figura. A eq.(829) torna explícito o papel do tunelamento na separação dos níveis de energia .

Henrique Fleming 2003