Subsections
O caso quase-clássico
Iniciamos o nosso curso com o estudo do átomo de Bohr, centrado na
regra de quantização, para órbitas circulares,
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(754) |
com
inteiro, que dá, para a energia ,
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(755) |
a famosa fórmula de Bohr.
Na verdade, (756) é o caso particular, para órbitas
circulares, das regras de Bohr-Sommerfeld, que podem ser
enunciadas assim: seja um sistema periódico descrito por
coordenadas generalizadas
,
. Então
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(756) |
onde
é a constante de Planck, e os
são inteiros. No
caso do átomo de hidrogênio, o movimento, em órbita circular, pode
ser inteiramente descrito pela coordenada angular
, do par
de coordenadas polares no plano da órbita. Como a
lagrangeana do sistema é
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(757) |
temos que
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(758) |
onde
é o momento angular. Além disso,
é
constante, pois a variável
não aparece na lagrangeana.
Então,
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(759) |
ou seja,
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(760) |
que é a regra de Bohr usual.
Estamos agora muito distantes dessa versão simples de
uma mecânica quântica. Órbitas não existem, de modo que a regra de
Bohr nem pode ser enunciada, com o vocabulário da mecânica
quântica. No entanto,(756) permanece válida, embora
obtida de maneira totalmente diferente.
Nesta seção queremos investigar se existem condições em que a
regra de Bohr seja aproximadamente válida. Sistemas que satisfazem
a essas condições serão chamados quase-clássicos33. No estilo
que temos adotado sistematicamente, estudaremos este problema no
contexto dos estados estacionários e, para simplificar, para
sistemas unidimensionais.
Uma partícula de massa
possui uma energia potencial
. A
equação de Schrödinger para estados estacionários é:
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(761) |
que, naturalmente, pode ser escrita como
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(762) |
Procuraremos soluções escritas na forma
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(763) |
onde
é uma função complexa, e tal que
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(764) |
Note-se que, sendo
complexa, temos
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(765) |
ou seja, (764) é uma expressão geral para a função de
onda. É a condição (765) que nos dirige ao caso que nos
interessa, já que é uma realização do limite formal
, supostamente a situação em que a mecânica quântica
tende à mecânica clássica (as relações de incerteza inexistem,
nesse limite).
Inserindo na eq.(763) a expressão (764),
obtemos a seguinte equação para
(completamente
equivalente à equação de Schrödinger):
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(766) |
Vamos agora utilizar a condição (765). Suponhamos que
exista a expansão
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(767) |
com
,
,
finitos (ou seja,de
módulos muito maiores do que
). Então (765)
estará garantida desde que
.
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(768) |
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(769) |
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(770) |
Utilizando (768) em (767), obtemos
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(771) |
onde a derivação em relação a
é denotada por um
.
Igualando os coeficientes da potência 0 de
, temos
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(772) |
que dá
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(773) |
A relação
permite escrever
de maneira que (774) pode ser
escrita
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(774) |
Voltando à (772), igualemos os coeficientes da
potência
de
:
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(775) |
Como, de (775),
temos
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(776) |
ou
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(777) |
Temos, portanto, até esta aproximação,
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(778) |
ou
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(779) |
Mais precisamente, a solução geral é dada por uma combinação
linear das soluções exibidas acima, ou seja,
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(780) |
As condições de validade da aproximação quase-clássica são obtidas
insistindo-se em que, na equação (767), o segundo termo do
primeiro membro seja muito menor que o primeiro isto é:
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(781) |
Isto é equivalente a
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(782) |
ou ainda,
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(783) |
Aqui encontramos mais uma vez uma situação importante em que a
aproximação quase-clássica não é válida: quando o momento se
anula, a eq.(784) não é satisfeita.
Suponhamos que a nossa partícula possua uma energia potencial
, e que sua energia total seja
. Como temos
vemos que, nos pontos em que
,
é igual à zero,
e a aproximação quase-clássica falha.
Na figura acima vemos os pontos
e
, em que
, e a
aproximação quase-clássica falha. Classicamente são os pontos em
que a partícula pára e volta, os ``pontos de retorno'''. Nas
vizinhanças desses pontos não podemos utilizar a expressão
(781). Há uma série de métodos para contornar esta
dificuldade. O mais elementar é o seguinte: seja
um ponto
de retorno, ou seja,
. A equação de Schrödinger é
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(784) |
Expandindo a função
em torno do ponto
, temos
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(785) |
com
. Como
, temos
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(786) |
Logo, nas vizinhanças do ponto de retorno, a equação de Schrödinger é
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(787) |
que é a equação de Schrödinger para uma partícula sobre a ação de uma
força constante. Mas esta equação pode ser resolvida exatamente (veja Apêndice),
de maneira que podemos proceder assim: a uma certa (pequena) distância do
ponto de retorno, usamos a função de onda quase-clássica. Mais para perto do
ponto de retorno, usamos a solução exata (788). Tudo o que precisamos
fazer é achar, dentre as soluções de (788),aquela que se acopla
continuamente com a solução semi-clássica.
Este método utiliza funções transcendentes (a função de Airy, por
exemplo), e um pouco de análise complexa, o que está acima do
nível deste curso. Assim, sendo, limitar-nos-emos a enviar o
leitor ao apêndice, para os detalhes do cálculo, e a dar a regra
de transição, lá obtida.
Nas regiões classicamente inacessíveis, temos
, logo,
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(788) |
Uma repetição simples dos cálculos leva a
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(789) |
Temos,portanto,
Vamos nos limitar a enunciar a regra de transição,
ilustrando-a com exemplos.
Seja
um ponto de retorno, ou seja, tal que
. Então,
A figura acima mostra um poço de potencial e os pontos,
e
,
de retorno de uma partícula de massa
e energia
.
Considere o ponto de retorno
. À sua direita a função de onda
deve decrescer exponencialmente, já que se trata de uma região
classicamente proibida, com
. Dentre as soluções de
(794), a que nos serve é escrita
logo, à esquerda de
, teremos
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(793) |
Passemos ao ponto de retorno
. À sua esquerda temos uma região
classicamente proibida. Devemos, então, ter uma função de onda
que, à medida que nos aprofundamos nessa região (isto é, à medida
que
se torna mais e mais negativo), decresce exponencialmente.
Dentre as catalogadas em (794) a que tem essas
propriedades é
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(794) |
logo, a função de onda à direita de
será
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(795) |
Conseqüentemente temos, na região
, as expressões
(794) e (796) para a função de onda.
Essas duas expressões devem então coincidir:
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(796) |
Tomando
, obtemos
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(797) |
que leva a
A regra de Bohr-Sommerfeld contém uma integral num circuito
fechado. Neste caso, isto seria
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(799) |
Obtemos uma relação que coincide com a regra de Bohr para grandes
valores de
, quando se pode desprezar o termo
.
Neste caso a energia potencial é
e
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(800) |
Os pontos de retorno acontecem quando a energia coincide com a
energia potencial, isto é
o que acontece para
. A
integral que aparece em (799) é
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(801) |
e temos, então,
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(802) |
ou
 |
(803) |
em completa coincidência com o resultado exato!
Henrique Fleming 2003