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Partículas idênticas

Na mecânica quântica se diz que duas partículas são idênticas se a operação de trocar uma pela outra não tem qualquer efeito físico no sistema ao qual pertencem: não há maneira de realizar uma medida física que detete se tal mudança foi realizada. Para explorar as conseqüências disso de maneira formal, introduzimos o operador $P_{12}$ de troca de partículas. Seja $\psi(\vec{r}_{1},\vec{s}_{1}; \vec{r}_{2},\vec{s}_{2})$ uma função de onda do sistema onde incluímos as variáveis de spin, $\vec{s}_{i}$. O operador de troca atua assim:
\begin{displaymath}
P_{12}\psi(\vec{r}_{1},\vec{s}_{1}; \vec{r}_{2},\vec{s}_{2})=
\psi(\vec{r}_{2},\vec{s}_{2}; \vec{r}_{1},\vec{s}_{1})
\end{displaymath} (734)

Se as partículas são verdadeiramente idênticas, o hamiltoniano $\hat{H}$ deve ser simétrico em relação às variáveis de posição e spin das partículas idênticas, de maneira que não haja qualquer mudança na energia do sistema quando a troca ocorre.

Neste caso,

\begin{displaymath}
P_{12}\hat{H}\psi(\vec{r}_{1},\vec{s}_{1}; \vec{r}_{2},\vec...
...}P_{12}\psi(\vec{r}_{1},\vec{s}_{1}; \vec{r}_{2},\vec{s}_{2})
\end{displaymath} (735)

ou seja,
\begin{displaymath}[P_{12}, \hat{H}]=0
\end{displaymath} (736)

para todo hamiltoniano simétrico pela troca de partículas idênticas.

Seja $\psi(1,2)$ uma autofunção do operador $P_{12}$:

\begin{displaymath}
P_{12}\psi(1,2)= \alpha \psi(1,2)
\end{displaymath} (737)

Temos
$\displaystyle P_{12}\psi(1,2)$ $\textstyle =$ $\displaystyle \psi(2,1)$ (738)
$\displaystyle P_{12}\psi(2,1)$ $\textstyle =$ $\displaystyle \psi(1,2)$ (739)

logo,
\begin{displaymath}
\psi(1,2)=\alpha^2\psi(1,2)
\end{displaymath} (740)

de onde se tira que $\alpha = \pm 1$. Logo, as autofunções do operador $P_{12}$ são tais que
\begin{displaymath}
P_{12}\psi(1,2) = \psi(1,2)
\end{displaymath} (741)

ou
\begin{displaymath}
P_{12}\psi(1,2)=-\psi(1,2)
\end{displaymath} (742)

isto é, são as funções pares e ímpares pela troca de um par de partículas idênticas. Como $[P_{12}, \hat{H}]=0$, o operador $\frac{d}{dt}P_{12}=0$, e o valor médio de $P_{12}$ é constante, o que se estende para os autovalores . Portanto, o autovalor de $P_{12}$ é uma constante do movimento.

Partículas para as quais a eq.(742) são ditas bosons , e satisfazem a estaística de Bose-Einstein; partículas para as quais a eq.(743) é satisfeita são ditas férmions, e satisfazem a estatística de Fermi-Dirac. Empiricamente se verifica que os bosons são partículas de spin inteiro, enquanto que os férmions são partículas de spin 1/2, 3/2, etc. Os elétrons são férmions, os fótons são bosons .


O princípio de Pauli

O tipo de estatística satisfeita por uma partícula tem conseqüências bem definidas sobre seu movimento. Examinemos a função de onda de dois férmions idênticos, e imaginemos que eles ocupassem ambos a mesma posição, tendo o mesmo valor para a componente $z$ do spin. Ou seja, $\vec{r}_{1}=\vec{r}_{2}$ e $\vec{s}_{1}=\vec{s}_{2}$. Então, se a função de onda do sistema for
\begin{displaymath}
\psi(\vec{r}_{1}, \vec{s}_{1};\vec{r}_{2},\vec{s}_{2})=
-\psi(\vec{r}_{2}, \vec{s}_{2};\vec{r}_{1},\vec{s}_{1})
\end{displaymath} (743)

Nas condições acima, teríamos
\begin{displaymath}
\psi(\vec{r}_{1}, \vec{s}_{1};\vec{r}_{1},\vec{s}_{1})=
-\psi(\vec{r}_{1}, \vec{s}_{1};\vec{r}_{1},\vec{s}_{1})
\end{displaymath} (744)

ou
\begin{displaymath}
\psi(\vec{r}_{1}, \vec{s}_{1};\vec{r}_{1},\vec{s}_{1})=0
\end{displaymath} (745)

mostrando que a probabilidade de dois férmions ocuparem o mesmo estado (o estado, aqui, é completamente definido pela posição e pela componente $z$ do spin) é zero. Isto é denominado princípio de exclusão, ou princípio de Pauli. Um exemplo importante é o seguinte: considere dois elétrons movendo-se em um campo de forças, como, por exemplo, no átomo de Hélio. Desprezando a interação entre os elétrons, e denotando por $u_{1}$ e $u_{2}$ dois estados estacionários de 1 elétron nesse campo, a função de onda de um estado estacionário admissível seria
\begin{displaymath}
\psi = \frac{1}{\sqrt{2}}\left[u_{1}(\vec{r}_{1},\vec{s}_{...
...\vec{r}_{2},\vec{s}_{2})u_{2}(\vec{r}_{1},\vec{s}_{1})\right]
\end{displaymath} (746)

A função de onda (747) satisfaz a propriedade

\begin{displaymath}
P_{12}\psi = -\psi
\end{displaymath} (747)

e se anula identicamente se $u_{1} = u_{2}$. Em contraposição, o ``estado'' de função de onda
\begin{displaymath}
\psi^{\prime} = \frac{1}{\sqrt{2}}\left[u_{1}(\vec{r}_{1},...
...\vec{r}_{2},\vec{s}_{2})u_{2}(\vec{r}_{1},\vec{s}_{1})\right]
\end{displaymath} (748)

que tem a propriedade
\begin{displaymath}
P_{12}\psi^{\prime}= \psi^{\prime}
\end{displaymath} (749)

não existe na natureza, assim como nenhum outro que não esteja antissimetrizado. A expressão costumeira desta lei é que duas partículas idênticas de spin semi-inteiro não podem estar em um estado em que se movem na mesma ``órbita'' e com os spins paralelos. Dois elétrons podem estar na mesma ``órbita'', desde que seus spins sejam anti-paralelos32.

No átomo de Hélio, se ignorarmos a interação entre os elétrons, tudo se passa como se cada elétron estivesse sob a ação de uma campo coulombiano, e as funções de onda individuais de cada elétron seriam as de um elétron do átomo de Hidrogênio (com a diferença que $Z=2$). Então, nessa aproximação, no estado fundamental, poderia haver dois elétrons no estado $\psi_{100}$, um com ``spin para cima'', o outro com ``spin para baixo''. O elemento de $Z=3$ é o Lítio. Na mesma aproximação (de desprezar a interação entre os elétrons), não seria possível adicionar mais um elétron no estado $n=1$. Este teria de ser acomodado em um estado com $n=2$. É claro que desprezar a interação entre os elétrons é tanto mais grave quanto mais numerosos eles são, de modo que vamos parar por aqui.


Adição de momento s angulares

O problema é este: dadas duas partículas em estados de momento angular bem definido, qual o valor, ou valores, do momento angular do sistema composto pelas duas? Como a solução é consideravelmente técnica, vamos nos limitar aqui a dar os resultados.

Seja $\psi_{l_{1},m_{1}}$ o estado de uma das partículas, e $\psi_{l_{2},m_{2}}$ o estado da outra. Isto quer dizer que, se $\hat{\vec{l_{i}}}^2$ e $\hat{l_{i}}_{z}$ ($i=1,2$) forem os operadores de momento angular total e componente $z$ do momento angular, teremos

$\displaystyle \hat{\vec{l_{1}}}^2\psi_{l_{1},m_{1}}$ $\textstyle =$ $\displaystyle l_{1}(l_{1}+1)\psi_{l_{1},m_{1}}$ (750)
$\displaystyle \hat{l_{1}}_{z}\psi_{l_{1},m_{1}}$ $\textstyle =$ $\displaystyle m_{1}\psi_{l_{1},m_{1}}$ (751)
$\displaystyle \hat{\vec{l_{2}}}^2\psi_{l_{2},m_{2}}$ $\textstyle =$ $\displaystyle l_{2}(l_{2}+1)\psi_{l_{2},m_{2}}$ (752)
$\displaystyle \hat{l_{2}}_{z}\psi_{l_{2},m_{2}}$ $\textstyle =$ $\displaystyle m_{2}\psi_{l_{2},m_{2}}$ (753)

Considerando agora o sistema composto, teremos que o momento angular total pode ter todos os valores entre $l_{1}+l_{2}$ e $\vert l_{1}-l_{2}\vert$, variando de um em um. Para a componente $z$ do momento angular total, a regra é mais simples: a componente $z$ do momento angular total é a soma algébrica das componentes $m_{1}$ e $m_{2}$.

Exemplo: dois elétrons em estados de momento angular orbital 0, portanto tendo como momento angular apenas o spin, são considerados como um sistema: em que estado $(l,m)$ se encontram? A resposta é: há duas possibilidades. O momento angular total pode ter qualquer dos valores $\frac{1}{2}+\frac{1}{2}$, $\frac{1}{2}+\frac{1}{2}-1$,..., até atingir $\vert\frac{1}{2}-\frac{1}{2}\vert$, ou seja, os valores possíveis são $1$ e $0$. Assim, o estado de momento angular do sistema composto será, em geral, uma superposição de um estado de momento angular total $1$ com um estado de momento angular total $0$. . Para saber mais, temos de olhar para as componentes $z$ dos spins individuais. Se os dois elétrons tiverem spins paralelos, então $m_{1}+m_{2}$ será $1$ ou $-1$. Esses valores são incompatíveis com momento angular total $0$, de maneira que, neste caso, pode-se afirmar que os elétrons formam um sistema composto de momento angular total $l=1$. Se as componentes $z$ tiverem sinais opostos, porém, o momento angular total pode ser tanto $l=1$ quanto $l=0$. Um estudo mais detalhado permite determinar as probabilidades, neste caso, de se achar, numa medida de momento angular total, cada um desses valores possíveis.

Para um tratamento completo desta questão, veja [3].

Henrique Fleming 2003