Subsections
O átomo de Hidrogênio
O núcleo do átomo de hidrogênio é cerca de 2000 vezes mais pesado
do que um elétron. Por isso se pode ignorar o movimento do núcleo
e descrever o átomo simplesmente como um elétron movendo-se com
energia potencial
. A Eq.(335) é
então escrita
![\begin{displaymath}
-\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2u}{dr^2}+\left[\frac{\hbar^2 l(l+1)} {
2mr^2} -\frac{Ze^2}{r}\right]u(r)=Eu(r)
\end{displaymath}](img985.png) |
(336) |
Note-se que esta equação descreve mais do que o átomo de
hidrogênio: a interação de um elétron com um campo coulombiano
possui também casos em que o elétron não permanece nas
proximidades do núcleo, mas afasta-se indefinidamente dele:
trata-se do espalhamento de um elétron por um campo coulombiano.
Aqui vamos estudar apenas os estados ligados do
elétron: aqueles em que ele está preso ao núcleo, formando um
átomo. O que caracteriza esses estados, na Eq.(336), é
que eles possuem energia negativa. Portanto,
estudaremos as soluções do problema de autovalores dado pela
Eq.(336), com
, e, portanto,
.
É conveniente introduzir variáveis adimensionais. Substituiremos
por
 |
(337) |
e a energia , ou, antes, o seu inverso, por
 |
(338) |
Deixamos ao leitor a tarefa de verificar que, efetivamente,
e
são quantidades adimensionais. Verifica-se facilmente
que
e que a Eq.(336) pode ser reescrita como
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(339) |
ou, finalmente,
![\begin{displaymath}
\frac{d^2 u}{d\rho ^2}-\frac{l(l+1)}{\rho ^2}u +
\left[\frac{\lambda}{\rho}-\frac{1}{4}\right]u=0
\end{displaymath}](img991.png) |
(340) |
Resolver este problema de autovalores consiste em determinar os
pares
submetidos à condição de que
que corresponde ao fato de que o átomo tem dimensões finitas.
Para resolver este problema utilizaremos uma técnica devida a
Sommerfeld. Em primeiro lugar, estudaremos que tipos de
comportamento assintótico, para
grande, as soluções de
Eq.(340) podem ter. Note-se que a equação
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(341) |
coincide com a Eq.(340) para grandes valores de
.
Podemos, portanto, afirmar que as soluções de Eq.(341)
devem coincidir com o limite, para grandes
, das soluções da
Eq.(340).
Considere a equação
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(342) |
e vamos multiplicar cada um de seus termos por
,
obtendo
O leitor verificará facilmente que esta equação é a mesma que
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(343) |
ou
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(344) |
Portanto,
onde
é uma constante. Mas tanto
quanto as suas derivadas
tendem a zero no infinito. Logo, a constante
deve ser nula,
pois, calculada no infinito é nula, e tem o mesmo valor em todos
os pontos. Conseqüentemente,
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(345) |
e
 |
(346) |
As soluções dessas equações são
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(347) |
das quais a que satisfaz os requisitos físicos de se anular no
infinito é
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(348) |
Este é, então, o comportamento assintótico que as soluções da
Eq.(340) devem ter.
Vamos então procurar soluções da Eq.(340) da forma
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(349) |
sendo um polinômio em
. A razão de ser um
polinômio é que o comportamento assintótico de (349)
deve ainda ser dado pelo termo exponencial, o que é garantido se
for um polinômio. Uma análise mais fina mostraria que,
se se admitisse que
fosse uma série infinita, sua soma
seria essencialmente uma exponencial em
, alterando o
comportamento assintótico.20
Seja
uma expressão da forma
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(350) |
onde a potência mais baixa é a primeira para assegurar que
Derivando termo a termo, temos
Inserindo estas expressões na Eq.(350), temos
![\begin{displaymath}
\sum_{k=1}^{\infty}\left\{k(k-1)A_{k}\rho ^{k-2}-kA_{k}\rh...
...}{\rho}-\frac{l(l+1)}{\rho
^2}\right]A_{k}\rho^{k}\right\}=0
\end{displaymath}](img1010.png) |
(351) |
O coeficiente da potência
de
é dado por
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(352) |
para que a equação diferencial seja satisfeita termo a termo.
Diminuindo o valorde
de uma unidade, temos uma relação mais
conveniente:
![\begin{displaymath}
A_{k+1}\left[(k+1)k-l(l+1)\right] = (k-\lambda) A_k
\end{displaymath}](img1012.png) |
(353) |
ou, equivalentemente,
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(354) |
Para os índices mais baixos temos as equações
 |
(355) |
![\begin{displaymath}
\left[2-l(l+1)\right]A_2 + (\lambda -1)A_1 =0
\end{displaymath}](img1015.png) |
(356) |
A equação (354) é muito importante. Dela vemos que, para
que a série se interrompa em algum ponto, tornando-se um
polinômio, devemos ter que
. Ora, os
são
inteiros, logo, a condição para que a série se interrompa é que
exista um inteiro
tal que
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(357) |
Como
temos
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(358) |
ou, eqüivalentemente,
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(359) |
que é a fórmula de Bohr! Voltando ao cálculo das autofunções, além
da condição
, devemos ter que
, de
outra forma, na equação (354), o denominador se anularia
ao mesmo tempo que o numerador, não garantindo o anulamento do
coeficiente
. Portanto devemos ter
.
Vamos construir as primeiras soluções. Tomemos
A
este valor corresponde a energia
que é a energia do estado fundamental do átomo de
hidrogênio (o de energia mais baixa). Para este valor de
podemos ter
, mas não
. Então, das equações
temos Que
é indeterminado, e
, assim como os
coeficientes de índice mais alto. Temos então, para a solução,
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(360) |
e
 |
(361) |
Em termos de
, usando
e introduzindo
denominado raio de Bohr, obtemos, após cálculos simples,
Para o estado fundamental, temos, então,
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(362) |
que é também a função completa, pois
é constante.
Para
temos as possibilidades
e
. Para
o primeiro caso, temos, novamente,
indeterminado. Para
, usamos a equação (353), que dá
ou seja,
A solução então é
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(363) |
e
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(364) |
Expressando em termos de
, obtemos
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(365) |
onde usamos a notação tradicional para os autoestados do átomo de
hidrogênio:
. O leitor, neste ponto,
deveria ser capaz de mostrar que
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(366) |
No segundo caso,
,vemos, da Eq.(355), que
enquanto
é indeterminado.
, assim como os índices
mais altos. Logo,
A expressão em termos de
vem a ser
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(367) |
Como vimos, a função radial fica definida quando se dão os valores
de
e
. Por isso ela é denotada por
. Para o caso
de
a dependência angular não é trivial, pois temos
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(368) |
que, nesse caso dá
 |
(369) |
com
podendo tomar os valores 1, 0, e -1.
Note que a energia fica totalmente determinada por
. Então,
exceto pelo estado fundamental, a cada nível de energia
correspondem mais de um estado do sistema. O espectro é dito
degenerado (no bom sentido!). Considere, por exemplo,
o nível de energia com
. Podemos ter
, que dá um único
estado, ou
, que admite 3 valores de
. No total, então, há
4 estados neste nível de energia . Diz-se que o grau de
degenerescência é 4. É fácil provar que o grau de degenerescência
do nível
é
. O numero quântico
é denominado
número quântico principal.
A seguir apresentamos uma lista das partes radiais de algumas
funções de onda do átomo de hidrogênio.
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(370) |
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(371) |
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(372) |
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![$\displaystyle \left(\frac{Z}{3a_0}\right)^{\frac{3}{2}}\;2\left[1-\frac{2}{3}\f...
...(\frac{Zr}{a_0}\right)^2\right]
\exp{\left(-\frac{1}{3}\;\frac{Zr}{a_0}\right)}$](img1062.png) |
(373) |
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(374) |
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(375) |
Até agora escrevemos as funções de onda assim:
Como determinar a constante
? Uma vez que os harmônicos
esféricos são normalizados por conta própria, pois
devemos ter
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(376) |
Exemplo: para o estado
,
Usando
obtemos
confirmando o valor da tabela.
De posse da expressão detalhada da função de onda, podemos fazer
perguntas interessantes. Qual é a probabilidade de o elétron
estar, no estado fundamental do átomo de hidrogênio, entre
e
? Ela é dada por
 |
(377) |
Para que valor de
a probabilidade é máxima (para idênticos
)? No ponto de máximo, teremos
ou
Logo, para o átomo de hidrogênio (
), temos que a
probabilidade máxima é para
, o raio de
Bohr!21
Vamos calcular agora a velocidade média do elétron no estado
fundamental.
 |
(378) |
Usando
e
, obtemos
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(379) |
onde usamos
. Como
temos que o valor médio da componente
da velocidade do elétron
no estado fundamental é 0. Como o estado é esfericamente
simétrico, o mesmo resultado deve valer para as outras
componentes. Logo,
Isto posto, podemos dizer que e elétron está em repouso, no estado
fundamental? Certamente não! Em qualquer modêlo clássico com
órbita circular (qualquer órbita fechada, de fato) o elétron está
em movimento e sua velocidade média é zero. Para obter mais
informações sobre o que o elétron faz no estado fundamental do
átomo de hidrogênio, vamos calcular sua energia
cinética média. Ela é dada por:
 |
(380) |
Usando as integrais
e
obtemos o resultado, para
,
 |
(381) |
Logo, o elétron não está parado. E nem poderia: se tivesse momento
perfeitamente definido (no caso, nulo), sua posição teria de ser
totalmente indefinida, pelo princípio da
incerteza. Como a
incerteza na posição é da ordem de
e, da
Eq.(382), vemos que a incerteza no momento é da ordem
de
, vemos que o produto das incerteza é da
ordem de
. Ou seja, o elétron tem o mínimo movimento
exigido pelo princípio de incerteza. Está tão parado quanto é
possível!
1. Os estados estacionários do átomo de Hidrogênio são denotados
por
. A seguinte superposição:
com
,
,
, é um estado do Hidrogênio,
que não é um estado estacionário, e não é autofunção nem de
nem de
. Dentro deste estilo, construa
(a) Um estado do Hidrogênio que seja autofunção simultanea de
e
, mas
não de
.
(b) Um estado do Hidrogênio que seja autofunção simultânea de
e
, mas
não de
.
2. Uma partícula livre executa movimento unidimensional ao longo do eixo
,
e sua função de onda em
é
onde
é uma constante real. Determine
.
3.(a) Um sistema físico é descrito por um hamiltoniano
onde
é hermiteano. Mostre que
é hermiteano,
e que se um operador é hermiteano, seu quadrado também é. Finalmente, mostre
que os autovalores da energia do sistema são positivos ou nulos.
(b) É possível um operador ser ao mesmo tempo unitário e hermiteano? Exemplo!
(c) Demonstre que
.
(d) Demonstre que, se
e
são hermiteanos,
também é.
(e) Sejam
e
nulos. Mostre que
, onde
, o operador ``zero'',
é tal que, qualquer que seja a função de onda
,
Sugestão: identidade de Jacobi.
4.(a) Determine
e
para o elétron no estado fundamental do átomo de
hidrogênio. Expresse suas respostas em termos do raio de Bohr
. Determine também
, que é o raio da ``órbita de
Bohr'' do
estado de mais baixa energia , no modelo de Bohr.
(b)Determine
e
no estado
fundamental sem calcular mais integrais, usando o resultado
anterior e as simetrias do estado fundamental.
(c) Determine
no estado
.
Note que este estado não é simétrico em
.
5. Qual é a probabilidade
de que um elétron no
estado fundamental do átomo de hidrogênio seja encontrado
dentro do
núcleo?
(a)Primeiro calcule a resposta exata. Denote o raio do
núcleo por
.
(b) Expanda o seu resultado como uma série de potências no número
pequeno
, e mostre que o termo de ordem
mais baixa é cúbico:
. Este termo
deveria
já ser uma boa aproximação, pois
.
(c) Alternativamente, poderíamos pensar que a função de onda do
elétron é essencialmente constante sobre o pequeno volume do
núcleo, de modo que
.
Verifique que o resultado é efetivamente bom.
(d) Use
cm e
cm para uma estimativa numérica de
. Grosso modo,
isto representa a fração do tempo em que o elétron se encontra
dentro do núcleo.
6. Estime, a partir do princípio de incerteza, quanto
tempo um lápis pode ficar em equilíbrio vertical sobre a sua
ponta.
7. Uma bola perfeitamente elástica, localizada entre
duas paredes paralelas, move-se perpendicularmente a elas, sendo
refletida de uma para outra. Perfeitamente elástica quer dizer que
a energia cinética não se altera.. Usando a mecânica clássica,
calcule a variação da energia da bola se as paredes passam a se
aproximar, lenta e uniformemente, uma da outra. Mostre que esta
variação de energia é exatamente o que se obtém na mecânica
quântica se o número quântico principal
da bola permanece
constante.
Henrique Fleming 2003