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Operadores unitários e simetrias

As quantidades observáveis (resultados de medidas) aparecem, na mecânica quântica, sob a forma de produtos escalares de estados,

\begin{displaymath}
(\psi,\phi)=\int dq \psi(q)^*\phi(q)
\end{displaymath}

Um caso particular importante é um ``elemento de matriz'' de um operador $\hat{O}$:

\begin{displaymath}
\int dq \psi^*(q)\hat{O}\phi(q)
\end{displaymath}

Como toda teoria, a mecânica quântica admite transformações ``de linguagem'': por exemplo, quando eu descrevo o mesmo fenômeno usando dois sistemas de eixos ortogonais, obtenho descrições distintas do mesmo fenômeno. Essas descrições devem ser equivalentes, já que representam a mesma coisa de pontos-de-vista distintos. É como se eu descrevesse o mesmo fenômeno em inglês e em alemão: as descrições são diferentes, mas têm o mesmo conteúdo.

Como as quantidades físicas são representadas pelos produtos escalares de estados, é importante o estudo dos operadores que conservam os produtos escalares, ou seja, dos operadores $\hat{U}$ que são tais que

\begin{displaymath}
(\hat{U}\psi, \hat{U}\phi) = (\psi,\phi)
\end{displaymath} (258)

ou, mais explicitamente,
\begin{displaymath}
\int dq \psi(q)^* \phi(q) = \int dq (\hat{U}\psi(q))^*
\hat{U}\phi(q)
\end{displaymath} (259)

Um operador linear é unitário, por definição, se

\begin{displaymath}
\hat{U}\hat{U}^+ = \hat{U}^+\hat{U}=1
\end{displaymath} (260)

Seja $\hat{U}$ um operador unitário e considere as transformações de funções de onda:

\begin{eqnarray*}
\psi^{\prime}(q) & = & \hat{U}\psi(q)\\
\phi^{\prime}(q) & = & \hat{U}\phi(q)
\end{eqnarray*}


Então,

\begin{displaymath}
\int dq \psi^{\prime *}\phi^{\prime}=\int dq
\left(\hat{U}...
...phi= \int dq
\psi^*\hat{U}^+\hat{U}\phi = \int dq \psi^*\phi
\end{displaymath}

o que mostra que uma transformação implementada por um operador unitário conserva os produtos escalares. Mais detalhadamente, considere o produto escalar

\begin{displaymath}
\left(\psi, \hat{O}\phi\right)=\int dq \psi^*(q)\hat{O}\phi(q)
\end{displaymath}

Sejam

\begin{eqnarray*}
\psi^{\prime}(q) & = & \hat{U}\psi(q)\\
\left(\hat{O}\phi(q)\right)^{\prime} & = & \hat{U}\left(
\hat{O}\phi(q)\right)
\end{eqnarray*}


Podemos escrever

\begin{displaymath}
\left(\hat{O}\phi(q)\right)^{\prime}=\hat{U}\hat{O}\phi(q)=...
...
\left(\hat{U}\hat{O}\hat{U}^{\dagger}\right)\phi^{\prime}(q)
\end{displaymath}

Logo,

\begin{displaymath}
\left(\psi^{\prime},(\hat{O}\phi)^{\prime}\right)= \int dq
...
...t) =\int dq
\psi^*\hat{O}\phi=\left(\psi, \hat{O}\phi\right)
\end{displaymath}

Podemos interpretar este resultado assim: considere as transformações

\begin{eqnarray*}
\psi \rightarrow \psi^{\prime} & = & \hat{U}\psi\\
\phi \ri...
...t{O} \rightarrow \hat{O}^{\prime} & = & \hat{U}\hat{O}\hat{U}^+
\end{eqnarray*}


Então, temos:

\begin{displaymath}
\int dq \psi^{\prime *}(q)\hat{O}^{\prime}\phi^{\prime}(q) = \int
dq \psi^*(q)\hat{O}\phi(q)
\end{displaymath}

onde $\hat{O}^{\prime}\equiv \hat{U}\hat{O}\hat{U}^+$ é a transformação de $\hat{O}$ pela ação do operador linear $\hat{U}$. Diz-se que um operador $\hat{O}$ é invariante por uma transformação unitária $\hat{U}$ se

\begin{displaymath}
\hat{U}\hat{O}\hat{U}^+ = \hat{O}
\end{displaymath}

ou, equivalentemente, se
\begin{displaymath}
\hat{O}\hat{U}=\hat{U}\hat{O}
\end{displaymath} (261)

Exemplos de operadores unitários

O leitor verificará sem dificuldade que o operador $\hat{1}$, definido por

\begin{displaymath}
\hat{1}\psi = \psi
\end{displaymath}

é unitário. Para dar exemplos mais ricos, precisaremos definir a exponencial de um operador.

Define-se $e^{\hat{O}}$ assim:

\begin{displaymath}
e^{\hat{O}}=\hat{1} + \hat{O} + \frac{1}{2!}\hat{O}
\hat{O} + \frac{1}{3!}\hat{O}\hat{O}\hat{O}+...
\end{displaymath} (262)

onde, naturalmente, se pode escrever $\hat{O}^2$ em vez de $\hat{O}\hat{O}$, etc. A idéia é usar a expansão da função exponencial numérica como modelo da expansão do operador. Usando-se esta definição, pode-se demonstrar a importante relação de Baker-Hausdorff-Campbell:
\begin{displaymath}
e^{\hat{A}}\hat{B}e^{-\hat{A}} =
\hat{B} +
[\hat{A},\...
...}]]+
\frac{1}{3!}[\hat{A},[\hat{A},[\hat{A},\hat{B}]]]+ ...
\end{displaymath} (263)

Uma aplicação imediata é esta: para $\hat{B}=1$, temos

\begin{displaymath}
e^{\hat{A}}e^{-\hat{A}}=1
\end{displaymath}

pois $[\hat{A},\hat{1}]=0$. Logo, $e^{-\hat{A}}$ é o operador inverso de $e^{\hat{A}}$.

Considere um operador da forma $e^{i\hat{O}}$, com $\hat{O}=\hat{O}^+$, ou seja, hermiteano. Temos então,

\begin{displaymath}
\left(e^{i\hat{O}}\right)^+= e^{-i\hat{O}^+}=e^{-i\hat{O}}
\end{displaymath}

Logo,

\begin{displaymath}
\left(e^{i\hat{O}}\right)\left(e^{i\hat{O}}\right)^+=1
\end{displaymath}

ou seja, $e^{i\hat{O}}$ é unitário se $\hat{O}$ for hermiteano.
Exemplo: os seguintes operadores são unitários:

\begin{eqnarray*}
U(\epsilon) & = & e^{\frac{i}{\hbar}\epsilon \hat{p_x}}\\
U(\Delta t) & = & e^{-\frac{i}{\hbar}\hat{H}\Delta t}
\end{eqnarray*}


Chama-se operadores unitários infinitesimais operadores da forma

\begin{displaymath}
\hat{U}=1+i\epsilon \hat{O}
\end{displaymath}

com $\hat{O}=\hat{O}^+$. Note-se que um operador desse tipo é o truncamento da série que define o operador unitário $e^{i\epsilon
\hat{O}}$ que mantém apenas os dois primeiros termos. Ou seja, um operador unitário infinitesimal satisfaz a condição de unitaridade desde que se desprezem termos que contenham potências quadráticas de $\epsilon$ ou maiores. Explicitamente, temos, se $\hat{U}=1+i\epsilon \hat{O}$, $\hat{U}^+ = 1-i\epsilon \hat{O}$, e

\begin{displaymath}
\hat{U}\hat{U}^+ = (1+i\epsilon \hat{O})(1-i\epsilon\hat{O}...
...epsilon \hat{O}-i\epsilon\hat{O} + \epsilon ^2(...) \approx 1
\end{displaymath}

Seja $\hat{B}$ um operador invariante por uma transformação implementada pelo operador unitário infinitesimal $1+\frac{i}{\hbar}\epsilon \hat{O}$. Então

\begin{displaymath}
\hat{B}=\left(1+\frac{i\epsilon}{\hbar}\hat{O}\right)\hat{B...
...at{B}\hat{O}=\hat{B}+\frac{i\epsilon}{\hbar}[\hat{O},\hat{B}]
\end{displaymath}

Logo, devemos ter $[\hat{O},\hat{B}]=0$. Sumarizando:

Seja $\hat{B}$ invariante pela transformação unitária $\hat{U}=e^{\frac{i\epsilon}{\hbar}\hat{O}}$. Então, $[\hat{B},\hat{O}]=0$.

Define-se simetria de um sistema com hamiltoniano $\hat{H}$ uma transformação unitária que deixa o hamiltoniano invariante. Seja $\hat{U}=e^{\frac{i\epsilon}{\hbar}\hat{O}}$ uma simetria. Então, por definição, $[\hat{H},\hat{O}]=0$. Ora, isto significa que o operador $\hat{\dot{O}}=0$, ou, em outras palavras,que a quantidade física associada ao operador hermiteano $\hat{O}$ é conservada. Desta forma associamos simetrias a leis de conservação : a cada simetria corresponde uma quantidade conservada. Este resultado, na física clássica, é conhecido como o teorema de Noether.

Exercícios

1.(a)Construa o adjunto do operador $\frac{d^2}{dx^2}-a\exp{(ix)}$ onde $a$ é um número real.
(b) Mostre que $[\vec{p},f(\vec{r})]=\frac{\hbar}{i}\vec{\nabla}f(\vec{r})$.

2. Os três operadores $\hat{A}$, $\hat{B}$ e $\hat{C}$ são dados por

\begin{eqnarray*}
\hat{A}\psi(x) & = & x^3\psi(x)\\
\hat{B}\psi(x) & = & x\fr...
...\psi}{dx}\\
\hat{C}\psi(x) & = & \int_{-\infty}^{x}u\psi(u)du
\end{eqnarray*}


(i)Calcule $[\hat{A},\hat{B}]$ e $[\hat{B},\hat{C}]$.
(ii)Resolva o problema de autovalores

\begin{displaymath}
\hat{C}\psi(x) = \lambda \psi(x)
\end{displaymath}

exigindo que $\psi(x)$ seja normalizável. Que restrição isto impõe sobre $\lambda$?

3. Determine o operador unitário que efetua, sobre a função de onda de um sistema, uma translação espacial $\psi(\vec{r}) \rightarrow
\psi(\vec{r}+\vec{\epsilon})$, onde $\vec{\epsilon}$ é um ``vetor infinitesimal''. Usando o fato de que uma sucessão de translações independe da ordem em que são realizadas, demonstre que os operadores de momento $\hat{p}_x$, $\hat{p}_y$ e $\hat{p}_z$ comutam. Aproveite para mostrar que esses operadores são hermiteanos, sem calcular qualquer integral.

Henrique Fleming 2003