Subsections

Exemplos simples

Poço quadrado unidimensional

Uma partícula de massa $m$ se move sob a ação de um campo de forças que confere à partícula uma energia potencial $V(x)$ tal que
\begin{displaymath}
V(x) = \left\{\begin{array}{ccc}
-V_{0} & \mbox{para } & \...
... a\\
0 & \mbox{para } & \vert x\vert > a \end{array}\right.
\end{displaymath} (71)

como descrito na figura.

\begin{pspicture}(0,0)(10,6)
\psline[linestyle=dashed]{->}(1,1)(1,6)
\psline[l...
...(2.3,4.2){$-a$}
\uput[0](6.8,4.2){$a$}
\uput[0](8.7,3.7){$x$}
\end{pspicture}
Vamos considerar primeiro o caso $E<0$, onde $E$ é a energia total da partícula. No caso clássico, a partícula não pode atingir as regiões I e III. De fato, sua energia total é $E= mv^2/2 + V(x)$, ou seja, $mv^2/2 = E-V(x)$. Nas regiões I e III temos $V(x)=0$, o que daria $mv^2/2=E$. Mas $E<0$, o que daria uma energia cinética negativa, impossível.10

Na região II não há problema, pois teríamos

\begin{displaymath}
\frac{mv^2}{2}=E + V_{0}
\end{displaymath} (72)

e é possível ter energia cinética positiva mesmo com $E<0$.

A equação de Schrödinger para os estados estacionários é

\begin{displaymath}
\left[-\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2}{dx^2}+ V(x)\right]\phi(x)=E\phi(x)
\end{displaymath} (73)

Para $x<-a$ ou $x>a$, temos $V(x)=0$, e
$\displaystyle -\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2\phi}{dx^2}$ $\textstyle =$ $\displaystyle E\phi(x)$ (74)
$\displaystyle \frac{d^2\phi}{dx^2}$ $\textstyle =$ $\displaystyle -\frac{2mE}{\hbar^2}\phi \;\;= \;\;
\frac{2m\vert E\vert}{\hbar^2}\phi$ (75)

Pondo
\begin{displaymath}
\kappa = \sqrt{\frac{2m\vert E\vert}{\hbar^2}}
\end{displaymath} (76)

temos
\begin{displaymath}
\frac{d^2\phi}{dx^2}=\kappa^2\phi
\end{displaymath} (77)

cuja solução geral é
\begin{displaymath}
\phi = C\;e^{-\kappa x}+ A\;e^{\kappa x}\; .
\end{displaymath} (78)

Para $x>0$ o termo em $e^{\kappa x}$ é inadequado, pois daria uma probabilidade de localização da partícula tendendo a infinito para $x \rightarrow \infty$. Logo, temos de tomar $C^{\prime}=0$. Assim,
\begin{displaymath}
\phi(x)=C\;e^{-\kappa x} \;\;\;\mbox{para} \;\;\; x>0 \;.
\end{displaymath} (79)

Por um raciocínio análogo,
\begin{displaymath}
\phi(x)=A\;e^{\kappa x} \;\;\; \mbox{para} \;\;\; x<0 \; .
\end{displaymath} (80)

Nas soluções acima $C$ e $A$ são constantes arbitrárias, a determinar posteriormente.

Na região interna, $V(x)=-V_{0}$, e a equação é

\begin{displaymath}
-\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2\phi}{dx^2}=(E+V_{0})\phi(x)
\end{displaymath} (81)

ou
\begin{displaymath}
\frac{d^2\phi}{dx^2}=\frac{2m}{\hbar^2}(V_{0}-\vert E\vert)\phi(x)
\end{displaymath} (82)

Pondo
\begin{displaymath}
q=\sqrt{\frac{2m}{\hbar^2}(V_{0}-\vert E\vert)}
\end{displaymath} (83)

temos a solução geral
\begin{displaymath}
\phi(x)=B\sin{qx}+B^{\prime}\cos{qx}
\end{displaymath} (84)

Conectando as soluções

A energia potencial $V(x)$ descrita acima é uma função descontínua, e portanto não-diferenciável, nos pontos $x=-a$ e $x=a$. A equação diferencial deve ser, então, tratada como 3 equações, uma para cada região onde $V(x)$ é contínua e diferenciável. Por isso a resolvemos separadamente para as regiões I, II e III. O potencial descontínuo é uma idealização de um potncial semelhante, mas de ``bordas arredondadas'', alguma coisa assim:

\begin{pspicture}(0,0)(10,6)
\psline[linestyle=dashed]{->}(1,1)(1,6)
\psline[l...
...(2.3,4.2){$-a$}
\uput[0](6.8,4.2){$a$}
\uput[0](8.7,3.7){$x$}
\end{pspicture}
A razão prática para tratar o potencial idealizado, e não o ``real'', é que assim é muito mais fácil resolver a equação diferencial.

Landau[3] trata, no exercício 5 do §23, um problema do tipo acima, em que o potencial é

\begin{displaymath}
V(x)=-\frac{V_{0}}{\cosh^2{\alpha x}} \;.
\end{displaymath}

É possível determinar os níveis de energia e as funções de onda dos estados estacionários, mas o uso de funções hipergeométricas torna desaconselhável seu tratamento em um curso introdutório.

O preço que se paga pelo uso de um potencial descontínuo é: como ``ligar'' entre si as soluções das três regiões? A matemática nos dá a chave: como a equação diferencial é de segunda ordem, sua solução é determinada dando-se, em um ponto, o valor da função e de sua derivada primeira. Então, para conectar as regiões, procedemos assim: em um ponto comum às regiões I e II (este ponto é $x=-a$) exigimos que $\phi_{I}=\phi_{II}$ e $d\phi_{I}/dx = d\phi_{II}/dx$, onde $\phi_{I}$ é a solução na região I, e $\phi_{II}$ é a solução na região II. Para conectar as regiões II e III, agimos da mesma forma:

\begin{displaymath}
\phi_{II}(a)=\phi_{III}(a) \;\;\mbox{e} \;\;
\frac{d\phi_{II}(a)}{dx}=\frac{d\phi_{III}(a)}{dx}
\end{displaymath}

Em $x=a$,

\begin{displaymath}
C\;e^{-\kappa a}=B\sin{qa}+B^{\prime}\cos{qa}
\end{displaymath} (85)


\begin{displaymath}
-\kappa C\;e^{-\kappa a}=qB\cos{qa}-qB^{\prime}\sin{qa}
\end{displaymath} (86)

Em $x=-a$,
$\displaystyle Ae^{-\kappa a}$ $\textstyle =$ $\displaystyle -B\sin{qa}+B^{\prime}\cos{qa}$ (87)
$\displaystyle \kappa Ae^{-\kappa a}$ $\textstyle =$ $\displaystyle qB\cos{qa}+qB^{\prime}\sin{qa}$ (88)

É uma questão de técnica determinar as constantes. Dividindo (85) por (87) temos:
\begin{displaymath}
\frac{C}{A}=\frac{B\sin{qa}+B^{\prime}\cos{qa}}
{-B\sin{qa...
...cos{qa}}=\frac{B\tan{qa}+B^{\prime}}
{-B\tan{qa}+B^{\prime}}
\end{displaymath} (89)

Pondo $\tan{qa}=t$, temos
\begin{displaymath}
\frac{C}{A}=\frac{tB+B^{\prime}}{-tB+B^{\prime}}
\end{displaymath} (90)

Dividindo (86) por (88) temos
\begin{displaymath}
-\frac{C}{A}=\frac{qB\cos{qa}-qB^{\prime}\sin{qa}}
{qB\cos{qa}+qB^{\prime}\sin{qa}}
\end{displaymath} (91)

ou
\begin{displaymath}
\frac{C}{A}=\frac{tB^{\prime}-B}{tB^{\prime}+B}
\end{displaymath} (92)

Combinando (90) e (92), temos
\begin{displaymath}
\frac{C}{A}=\frac{tB+B^{\prime}}{-tB+B^{\prime}}=
\frac{tB^{\prime}-B}{tB^{\prime}+B}
\end{displaymath} (93)

De onde se tira sem dificuldade que
\begin{displaymath}
(t^2+1)BB^{\prime}=0
\end{displaymath} (94)

Isto nos informa que temos ou $B=0$ ou $B^{\prime}=0$. Para $B=0$ as funções são, na região $-a \leq x \leq a$, cosenos, ou seja, são funções pares de $x$. Para $B^{\prime}=0$, são senos, ou seja, funções ímpares de $x$. Vamos tratar os dois casos separadamente.

(i) $B^{\prime}=0$ (funções ímpares).
$\displaystyle \phi(x)$ $\textstyle =$ $\displaystyle B\sin{qx} \;\; \mbox{para}\;\; \vert x\vert<a$ (95)
$\displaystyle \phi(x)$ $\textstyle =$ $\displaystyle -C\;e^{\kappa x} \;\; \mbox{para} \;\; x<-a$ (96)
$\displaystyle \phi(x)$ $\textstyle =$ $\displaystyle C\;e^{-\kappa x} \;\; \mbox{para}\;\; x>a$ (97)

Note que $A=C$, pois $\phi(a)=-\phi(-a)$, já que a função é ímpar.

Para $x=a$ temos as relações:

$\displaystyle B\sin{qa}$ $\textstyle =$ $\displaystyle Ce^{-\kappa a}$ (98)
$\displaystyle qB\cos{qa}$ $\textstyle =$ $\displaystyle -\kappa C\;e^{-\kappa a}$ (99)

É desnecessário fazer uso das relações em $x=-a$, porque, sendo a função ímpar, elas repetem as relações em $x=a$. Dividindo a de cima pela de baixo, obtém-se:
\begin{displaymath}
\tan{qa}= -\frac{q}{\kappa}
\end{displaymath} (100)

É esta equção que irá determinar para que valores da energia existem estados estacionários nesse poço. Equações deste tipo (que não são equações algébricas11, e só em raros casos podem ser resolvidas analiticamente. Este não é, infelizmente, um desses raros casos. Recorre-se então a soluções numéricas. Neste particular caso, porém, é possível usar um método gráfico que ilustra muito bem as características gerais da solução.

Em primeiro lugar, vamos escrever (100) de outra forma. Introduzo as variáveis $\xi=qa$ e $\eta = \kappa a$, que são tais que

\begin{displaymath}
\xi^2+\eta^2=q^2a^2+\kappa^2a^2=a^2(q^2+\kappa^2)
\end{displaymath} (101)

ou
\begin{displaymath}
\xi^2+\eta^2=\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}a^2
\end{displaymath} (102)

Nessas variáveis, a equação (100) fica
\begin{displaymath}
\tan{\xi}=-\frac{\xi}{\eta}
\end{displaymath} (103)

Mas
\begin{displaymath}
\eta^2=a^2\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}-\xi^2 \;,
\end{displaymath} (104)

logo,
\begin{displaymath}
-\frac{\xi}{\eta}=-\xi\left[\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}a^2-\xi^2\right]^{-\frac{1}{2}}
\end{displaymath} (105)

e a equação (103) se escreve
\begin{displaymath}
\tan{\xi}=-\xi\left[\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}\;a^2-\xi^2\right]^{-\frac{1}{2}}
\end{displaymath} (106)

Cada solução desta equação dá um valor de $\xi$, e, portanto, um valor de $q$, ou seja, de $\vert E\vert$. Esta é, por isso, a equação para os autovalores da energia .

A idéia é a seguinte: traço os gráficos da função $\tan{\xi}$ e da função que está no segundo membro de (106). Onde as curvas se cortem estarão os valores de $\xi$ que são as soluções de (106).

Para traçar a curva da função que está no segundo membro, vamos estudar um pouco suas propriedades. Vamos analisar a função

\begin{displaymath}
f(\xi)=-\xi\left[\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}a^2-\xi^2\right]^{-...
...{1}{2}}
=-\xi\left(\mathcal{A}^2-\xi^2\right)^{-\frac{1}{2}}
\end{displaymath} (107)

Sua derivada pode ser escrita, após alguma álgebra,
\begin{displaymath}
f^{\prime}(\xi)=-\frac{\mathcal{A}^2}{\left(\mathcal{A}^2-\xi^2\right)^{\frac{3}{2}}}
\end{displaymath} (108)

e é sempre negativa, tornando-se $-\infty$ para $\xi = \mathcal{A}$, isto é
\begin{displaymath}
\xi=\sqrt{\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}}\;\; a
\end{displaymath} (109)

O gráfico abaixo contém as curvas $y=\tan{\xi}$ e $y=f(\xi)$ As soluções da equação
\begin{displaymath}
\tan{\xi}=-\xi\left[\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}a^2 -\xi^2\right]^{-\frac{1}{2}}
\end{displaymath} (110)

são as interseções dessas duas curvas. Como $\xi=qa$ e $q=\sqrt{\frac{2m}{\hbar^2}\left(V_{0}-\vert E\vert\right)}$, os valores de $\xi$ que satisfazem a equação acima permitem calcular os valores de $E$ correspondentes. Esses serão os valores possíveis para a energia do sistema.


\begin{pspicture}(0,0)(10,8)
\psline(1,1)(1,8)
\psline{->}(1,4)(10,4)
\psline...
...9.9,3.8){$\xi$}
\uput[0](4.4,3.3){$1$}
\uput[0](7.3,2.0){$2$}
\end{pspicture}

Na figura, as curvas contínuas são a função $y=\tan{\xi}$ e a curva pontilhada é a função $y=f(\xi)$. Os pontos $1$ e $2$ correspondem às soluções da equação.




Vemos assim que o número de autovalores da energia para os estados ímpares é finito, podendo ser nulo (se $\mathcal{A} < \frac{\pi}{2}$).





(ii)$B=0$ (soluções pares).

Neste caso as equações ficam:

$\displaystyle C\;e^{=\kappa a}$ $\textstyle =$ $\displaystyle B^{\prime}\cos{qa}$ (111)
$\displaystyle -\kappa C\;e^{-\kappa a}$ $\textstyle =$ $\displaystyle -q B^{\prime} \sin{qa}$ (112)
$\displaystyle A\;e^{-\kappa a}$ $\textstyle =$ $\displaystyle B^{\prime}\cos{qa}$ (113)
$\displaystyle \kappa A\;e^{-\kappa a}$ $\textstyle =$ $\displaystyle qB^{\prime}\sin{qa}$ (114)

Comparando (111) com (113) vemos que $A=C$. Dividindo (114) por (113) temos, então,
\begin{displaymath}
\frac{\kappa}{q}=\tan{qa}
\end{displaymath} (115)

e, introduzindo de novo as variáveis $\xi=aq$ e $\eta = \kappa a$,
\begin{displaymath}
\tan{\xi}=\frac{\eta}{\xi}
\end{displaymath} (116)

com
\begin{displaymath}
\eta=\sqrt{\frac{2ma^2}{\hbar^2}V_{0}-\xi^2}
\end{displaymath} (117)

de maneira que a equação que determina os autovalores da energia é
\begin{displaymath}
\tan{\xi}=\frac{1}{\xi}\sqrt{\frac{2ma^2}{\hbar^2}V_{0}-\xi^2} \;.
\end{displaymath} (118)

Seja
\begin{displaymath}
f(\xi)=\frac{1}{\xi}\sqrt{\frac{2ma^2}{\hbar^2}V_{0}-\xi^2}
\equiv \frac{1}{\xi}\sqrt{\mathcal{A}^2-\xi^2}
\end{displaymath} (119)

Temos que $\xi \leq \mathcal{A}$ ($\xi > 0$) e $f(\mathcal{A})=0$, e, ainda,
$\displaystyle \lim_{\xi \rightarrow 0}f(\xi)$ $\textstyle =$ $\displaystyle \infty$ (120)
$\displaystyle \frac{df}{dx}$ $\textstyle =$ $\displaystyle -\frac{1}{\sqrt{\mathcal{A}^2-\xi^2}}-\frac{1}{\xi^2}
\sqrt{\mathcal{A}^2-\xi^2} < 0 \;\;\mbox{para todo} \;\;\xi$ (121)


\begin{pspicture}(0,0)(10,8)
\psline(1,1)(1,8)
\psline{->}(1,4)(10,4)
\psline...
...i$}
\uput[0](7.8,4.3){$\mathcal{A}$}
\uput[0](9.9,3.8){$\xi$}
\end{pspicture}

A figura mostra algumas soluções da equação para os autovalores da energia . São as interseções entre a curva pontilhada e o gráfico da tangente. Note-se que, por pequeno que seja $\mathcal{A}$, sempre haverá ao menos uma solução.


Podemos concluir então que o poço quadrado possui sempre soluções de energia negativa. Os autovalores da energia de tais estados são discretos e em número finito. O menor valor, correspondente ao estado fundamental, ocorre para um estado cuja função de onda é par.

A equação da continuidade

O interpretação probabilística da mecânica quântica é introduzida pelo postulado de Born12, que diz que $\vert\psi(x,y,z)\vert^2 dxdydz$ é a probabilidade de a partícula, cuja função de onda é $\psi(x,y,z)$, estar, em um determinado instante, num elemento de volume $dx\;dy\;dz$ em torno do ponto de coordenadas $x,y,z$.

Queremos examinar o que ocorre com $\vert\psi(x,y,z)\vert^2$ quando o movimento da partícula é levado em conta.

A equação de Schrödinger diz que

\begin{displaymath}
i\hbar \frac{\partial \psi}{\partial t}=
-\frac{\hbar^2}{2m}\vec{\nabla}^2\psi + V\psi\;.
\end{displaymath} (122)

Tomando-se o complexo conjugado, termo a termo, temos
\begin{displaymath}
-i\hbar \frac{\partial \psi^*}{\partial t}=
-\frac{\hbar^2}{2m}\vec{\nabla}^2\psi^* + V\psi^*\;.
\end{displaymath} (123)

Multiplicando (122) à direita por $\psi^*$ e (123) à esquerda por $\psi$ e subtraíndo, obtemos
\begin{displaymath}
i\hbar \frac{\partial \psi}{\partial t}\psi^* +
i\hbar \p...
...((\vec{\nabla}^2\psi)\psi^*-
\psi\vec{\nabla}^2\psi^*\right)
\end{displaymath} (124)

O segundo membro pode ser posto numa forma mais transparente, notando que
\begin{displaymath}
\vec{\nabla}.\left(\psi^*\vec{\nabla}\psi\right)=
\vec{\nabla}\psi^*.\vec{\nabla}\psi+\psi^* \vec{\nabla}^2\psi
\end{displaymath} (125)

ou
\begin{displaymath}
\psi^* \vec{\nabla}^2\psi=\vec{\nabla}.\left(\psi^* \vec{\nabla}\psi
\right)-\vec{\nabla}\psi^*.\vec{\nabla}\psi
\end{displaymath} (126)

Tomando o complexo conjugado desta relação:
\begin{displaymath}
\psi\vec{\nabla}^2\psi^*=\vec{\nabla}.\left(\psi \vec{\nabla}\psi^*
\right)-\vec{\nabla}\psi.\vec{\nabla}\psi^*
\end{displaymath} (127)

Subtraíndo (127) de (126),
\begin{displaymath}
\left((\vec{\nabla}^2\psi)\psi^*-\psi \vec{\nabla}^2\psi^*...
....\left(\psi^* \vec{\nabla}\psi-\psi \vec{\nabla}\psi^*\right)
\end{displaymath} (128)

Levando (128) ao segundo membro de (124), chega-se a
\begin{displaymath}
i\hbar\frac{\partial \vert\psi\vert^2}{\partial t}=-\frac{\...
....\left(\psi^* \vec{\nabla}\psi-\psi \vec{\nabla}\psi^*\right)
\end{displaymath} (129)

Introduzindo as notações
$\displaystyle \rho$ $\textstyle =$ $\displaystyle \vert\psi\vert^2$ (130)
$\displaystyle \vec{j}$ $\textstyle =$ $\displaystyle \frac{\hbar}{2mi}\left(\psi^* \vec{\nabla}
\psi-\psi \vec{\nabla}\psi^*\right)$ (131)

temos, então,
\begin{displaymath}
\frac{\partial \rho}{\partial t}+\vec{\nabla}.\vec{j}=0
\end{displaymath} (132)

que tem a forma da equação da continuidade, conhecida seja da mecânica dos fluidos, onde explicita a conservação da massa do fluido, seja do eletromagnetismo, onde faz o mesmo para a conservação da carga. Poderíamos então dizer que ela expressa, aqui, a conservação de probabilidade.

Assim como, no eletromagnetismo, a equação da continuidade fornece detalhes sobre como se dá a conservação da carga 13, na mecânica quântica ela faz o mesmo com a probabilidade.

Aqui convém adotar uma linguagem que, embora eqüivalente, é mais familiar do que a que usamos até agora. Suponhamos que, em vez de uma partícula, considerássemos um conjunto de réplicas da partícula, idênticas, ou seja, com a mesma função de onda, e independentes, isto é, que não interagem. Sejam $N$ essas réplicas. Se normalizarmos a função de onda de modo que

\begin{displaymath}
\int d^3\vec{r}\vert\psi(\vec{r})\vert^2=N\;,
\end{displaymath} (133)

estendendo-se a integral a todo o espaço, e considerarmos um volume $V$ delimitado por uma superfície $S$ fechada, a integral
\begin{displaymath}
N_{V}=\int_{V}d^3\vec{r}\vert\psi(\vec{r})\vert^2
\end{displaymath} (134)

dará, não a probabilidade de uma partícula estar em $V$, mas o número $N_{V}$ de partículas, das $N$ existentes, que estão dentro de $V$. Seja $\vec{n}$ o campo das normais externas à superfície $S$. Temos
\begin{displaymath}
\frac{d N_{V}}{dt}= \int_{V}\frac{\partial \rho}{\partial t...
...ec{\nabla}.\vec{j}\;d^3\vec{r}=
-\int_{S}\vec{j}.\vec{n}\;dS
\end{displaymath} (135)

onde, na última passagem, fizemos uso do teorema do divergente. Suponhamos que $N_{V}$ decresça com o tempo. Então $\frac{d N_{V}}{dt}<0$, e
\begin{displaymath}
\int_{S}\vec{j}.\vec{n}\;dS >0.
\end{displaymath} (136)

A Eq.(136) mede, portanto, o número de partículas que, na unidade de tempo, saem do volume $V$, atravessando a superfície $S$14(este saem, para ser mais preciso, é o número de partículas que saem menos o de partículas que entram, por unidade de tempo). Depreende-se disso que, se $dS$ é um trecho infinitesimal de uma superfície, e se $\vec{n}$ for uma normal a ela, então

\begin{displaymath}
\vec{j}.\vec{n}dS
\end{displaymath}

é o número (resultante) de partículas que atravessam $dS$ por unidade de tempo no sentido indicado pela normal. Se o número for negativo, o fluxo majoritário será no sentido de $-\vec{n}$.

A barreira de potencial

Uma partícula de massa $m$ se move num campo de forças, com uma energia potencial da forma




\begin{pspicture}(0,0)(12,8)
\psline{->}(0,2)(12,2)
\psline[linestyle=dashed](...
...1){$V_{0}$}
\uput[0](6.1,7.5){$V(x)$}
\uput[0](11.8,1.8){$x$}
\end{pspicture}



ou,

\begin{displaymath}
V(x)=\left\{\begin{array}{ccc}
V_{0} & \mbox{para} & \vert...
...rt<a \\
0 & \mbox{para} & \vert x\vert>a \end{array}\right.
\end{displaymath}

sendo sua energia total $E$ localizada entre $0$ e $V_{0}$. Vamos procurar seus estados estacionários. Para especificar mais o problema, digamos que a partícula incide sobre a barreira vindo da esquerda.

Se estivéssemos tratando de estados localizados (pacotes de onda), a caracterização deste particular problema (incidência da esquerda para a direita) seria trivial. Mas, para estados estacionários, isto é, tais que a probabilidade de posição não depende do tempo, isto é mais sutil. Recorramos a uma imagem clássica. Para conseguir um fenômeno análogo (isto é, sem dependência temporal) na mecânica clássica, precisamos recorrer a muitas partículas, incidindo sobre a barreira da esquerda para a direita. Imaginemos um fluxo contínuo dessas partículas. Depois de um certo tempo, teremos uma figura que não se altera mais, constituída por um certo número de partículas incidindo sobre a barreira, superpostas a um fluxo de partículas refletidas por ela. Embora cada partícula esteja se movendo, o conjunto todo parece parado, no regime estacionário. O fato de as partículas virem da esquerda pode ser descoberto, neste regime estacionário, pelo fato de que há partículas refletidas à esquerda da barreira.

Passemos ao caso quântico. No regime estacionário esperamos ter, como no caso clássico, ondas incidentes e ondas refletidas, à esquerda da barreira. Mas, e esta é a principal diferença introduzida pela mecânica quântica neste problema, pode haver ondas saindo da barreira, no lado direito. O que caracteriza, então, o problema estacionário como advindo de uma partícula incidente da esquerda para a direita é que, do lado direito da barreira, existem apenas partículas afastando-se da barreira.

Para $\vert x\vert>a$ temos as regiões I e III, onde a partícula não está sujeita a nenhuma força. Nestes casos,

\begin{displaymath}
-\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2\psi}{dx^2}=E\psi
\end{displaymath} (137)

ou
\begin{displaymath}
\frac{d^2\psi}{dx^2}=-k^2\psi
\end{displaymath} (138)

onde usamos
\begin{displaymath}
k^2 \equiv \frac{2mE}{\hbar^2}
\end{displaymath} (139)

A solução geral de (138) é
\begin{displaymath}
\psi(x)=A\;e^{ikx}+A^{\prime}e^{-ikx}
\end{displaymath} (140)

e é um estado estacionário, portanto, com dependência temporal dada por uma exponencial:
\begin{displaymath}
\psi(x,t)=\left(A\;e^{ikx}+A^{\prime}e^{-ikx}\right)e^{-\frac{i}{\hbar}Et}
\end{displaymath} (141)

onde
\begin{displaymath}
E=\frac{\hbar^2 k^2}{2m}
\end{displaymath} (142)

A corrente de probabilidade

\begin{displaymath}
\vec{j}=\frac{i\hbar}{2m}\left(\psi \vec{\nabla}\psi^*-\psi^* \vec{\nabla}\psi\right)
\end{displaymath}

dá, para a as parcelas que constituem a função (140):
(i)Para $\psi(x)=\exp{ikx}$ ($k>0$),
\begin{displaymath}
j=\frac{i\hbar}{2m}\left(\psi\frac{d\psi^*}{dx}-\psi^*\frac{d\psi}{dx}\right)=
\frac{\hbar k}{m}=v
\end{displaymath} (143)

ou seja, $e^{ikx}$ representa uma partícula com velocidade positiva, movendo-se da esquerda para a direita.

(ii) Para $\psi(x)=\exp{-ikx}$, temos $v<0$, e a partícula se move da direita para a esquerda.



Para fixar o nosso problema, diremos então que, na região I teremos

\begin{displaymath}
\mbox{Para}\;\;x<-a\;\;\; \psi(x)=AE^{ikx}+A^{\prime}e^{-ikx}
\end{displaymath} (144)

que inclui a partícula incidente ($\exp{ikx}$) e a refletida ($\exp{-ikx}$).

Na região III tenderíamos a supor que a função de onda fosse zero, baseando-se na mecânica clássica, pois uma partícula clássica não pode atravessar a barreira: na zona II ela teria uma energia cinética negativa! Porém, se fizessemos esta hipótese, não encontraríamos solução. Pomos, então,

\begin{displaymath}
\mbox{Para} \;\; x>a \;\;\; \psi(x)=C\;e^{ikx}
\end{displaymath} (145)

que descreve uma partícula que, vindo da esquerda, ultrapassou a barreira.

Finalmente, dentro da barreira (região II), a equação de Schrödinger é

\begin{displaymath}
-\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2\psi}{dx^2}+V_{0}\psi = E\psi
\end{displaymath} (146)

ou
\begin{displaymath}
\frac{d^2\psi}{dx^2}=\kappa^2 \psi
\end{displaymath} (147)

com
\begin{displaymath}
\kappa^2 = \frac{2m}{\hbar^2}\left(V_{0}-E\right) \;.
\end{displaymath} (148)

A solução geral desta equação de Schrödinger é
\begin{displaymath}
\psi(x)=B\;e^{-\kappa x}+ B^{\prime}\;e^{\kappa x} \;\;\mbox{com}\;
\kappa > 0 \; .
\end{displaymath} (149)

Vamos denominar ``função de onda incidente'' ao termo

\begin{displaymath}
A\;e^{ikx} \;,
\end{displaymath} (150)

``função de onda refletida'' ao termo $A^{\prime}\;e^{-ikx}$, e ``função de onda transmitida'' ao termo $C\;e^{ikx}$.

A densidade de corrente incidente é

\begin{displaymath}
j_{I}=\frac{\hbar k}{m}\vert A\vert^2 \;.
\end{displaymath} (151)

Definimos
\begin{displaymath}
j_{R}=\frac{\hbar k}{m}\vert A^{\prime}\vert^2
\end{displaymath} (152)

como a densidade de corrente refletida, e
\begin{displaymath}
j_{T} = \frac{\hbar k}{m}\vert C\vert^2
\end{displaymath} (153)

como a densidade de corrente transmitida. Então, devemos ter (para que não desapareçam partículas),
\begin{displaymath}
j_{I}=j_{T}+j_{R} \; .
\end{displaymath} (154)

Definido os coeficientes de reflexão e transmissão por
$\displaystyle R$ $\textstyle =$ $\displaystyle \frac{j_{R}}{j_{I}}$ (155)
$\displaystyle T$ $\textstyle =$ $\displaystyle \frac{j_{T}}{j_{I}}$ (156)

podemos então escrever a relação entre as correntes como
\begin{displaymath}
R+T=1
\end{displaymath} (157)

Note que a densidade de corrente dentro da barreira é zero (calcule!). Logo, usando

\begin{displaymath}
\frac{\partial \rho}{\partial t}+\vec{\nabla}.\vec{j}=0
\end{displaymath} (158)

vemos que, dentro da barreira, $\frac{\partial \rho}{\partial t}=0$, ou seja, $\rho$ é constante. Logo, não há variação no número de partículas, dentro da barreira.

Condições de contorno

A continuidade das funções de onda e suas derivadas em $x=-a$ e $x=a$ dá as seguintes condições:
(i) Para $x=-a$:
$\displaystyle A\;e^{-ika}+A^{\prime}\;e^{ika}$ $\textstyle =$ $\displaystyle B\;e^{\kappa a}+B^{\prime}
\;e^{-\kappa a}$ (159)
$\displaystyle ikA\;e^{-ika}-ikA^{\prime}\;e^{ika}$ $\textstyle =$ $\displaystyle -\kappa B\;
e^{\kappa a}+\kappa B^{\prime}\; e^{-\kappa a}$ (160)


(ii) Para $x=a$:
$\displaystyle C\;e^{ika}$ $\textstyle =$ $\displaystyle B\;e^{-\kappa a}+B^{\prime}\;e^{\kappa a}$ (161)
$\displaystyle ikC\;e^{ika}$ $\textstyle =$ $\displaystyle -\kappa B\;e^{-\kappa a}+\kappa B^{\prime}
\;e^{\kappa a}$ (162)

Dividindo (161) por (162):
\begin{displaymath}
\frac{1}{ik}=\frac{B\;e^{-\kappa a}+B^{\prime}\;e^{\kappa a}}
{-\kappa B\;e^{-\kappa a}+\kappa B^{\prime}\;e^{\kappa a}}
\end{displaymath} (163)

de onde se tira
\begin{displaymath}
(ik+\kappa)e^{-\kappa a} B+(ik-\kappa)e^{\kappa a}B^{\prime}=0
\end{displaymath} (164)

Como a função de onda dentro da barreira é

\begin{displaymath}
\psi(x)=B\;e^{-\kappa x}+B^{\prime}\;e^{\kappa x}
\end{displaymath} (165)

temos, escrevendo $B^{\prime}$ em termos de $B$,
\begin{displaymath}
\psi(x)=B\left\{e^{-\kappa x}+\frac{\kappa + ik}{\kappa -ik}e^{-2\kappa
a}e^{\kappa x}\right\}
\end{displaymath} (166)

onde se vê que o termo dominante é a exponencial decrescente $\exp{-\kappa x}$.

Voltando à equação (161), obtém-se facilmente que

\begin{displaymath}
\frac{C}{B}=\frac{2\kappa}{\kappa -ik}e^{(ik-\kappa)a}
\end{displaymath} (167)

e
\begin{displaymath}
\left\vert\frac{C}{B}\right\vert^2=\frac{4\kappa^2}{\kappa^2+k^2}
\end{displaymath} (168)

Vamos introduzir as quantidades
\begin{displaymath}
X=\frac{A^{\prime}}{A} \;\;\;\;Y=\frac{C}{A} \;\;\;\;
Z=\frac{B}{A} \;\;\;\; Z^{\prime}=\frac{B^{\prime}}{A}
\end{displaymath} (169)

As equações (159),(160),(161), (162) então ficam:
$\displaystyle e^{-ika}+X\;e^{ika}$ $\textstyle =$ $\displaystyle Z\;e^{\kappa a}+Z^{\prime}\;e^{-\kappa
a}$ (170)
$\displaystyle ike^{ika}-ikX\;e^{ika}$ $\textstyle =$ $\displaystyle -\kappa Z\;e^{\kappa a}+\kappa
Z^{\prime}\; e^{-\kappa a}$ (171)
$\displaystyle Y\;e^{ika}$ $\textstyle =$ $\displaystyle Z\;e^{-\kappa a}+Z^{\prime}\;e^{\kappa
a}$ (172)
$\displaystyle ikY\;e^{ika}$ $\textstyle =$ $\displaystyle -\kappa Z\;e^{-\kappa a}+\kappa
Z^{\prime}\;e^{\kappa a}$ (173)

Como $Z^{\prime}/Z=B^{\prime}/B$,temos
\begin{displaymath}
Z^{\prime}=\frac{\kappa + ik}{\kappa -ik}e^{-2\kappa a}Z
\end{displaymath} (174)

Introduzindo os símbolos auxiliares
\begin{displaymath}
W=e^{\kappa a}+\frac{\kappa + ik}{\kappa -ik}e^{-3\kappa a}
\end{displaymath} (175)

e
\begin{displaymath}
W^{\prime} = \frac{\kappa}{ik}\left(-e^{\kappa a}+\frac{\kappa +
ik}{\kappa -ik}e^{-3\kappa a}\right)
\end{displaymath} (176)

podemos, após alguma álgebra, obter
\begin{displaymath}
T=\vert Y\vert^2=\frac{16 \kappa^2}{\kappa^2+k^2}\frac{E^{-2\kappa a}}
{\vert W+W^{\prime}\vert^2}
\end{displaymath} (177)


\begin{displaymath}
R=\vert X\vert^2=\frac{\vert W-W^{\prime}\vert^2}{\vert W+W^{\prime}\vert^2}
\end{displaymath} (178)

e
\begin{displaymath}
\frac{T}{R}=\frac{16\kappa^2}{\kappa^2+k^2}e^{-2\kappa a}
...
... e^{\kappa a}-e^{-3\kappa a}\vert^2\left(\kappa^2+k^2\right)}
\end{displaymath} (179)

de onde se vê que o comportamento assintótico de $\frac{T}{R}$ é dado por
\begin{displaymath}
\frac{T}{R} \sim e^{-4\kappa a}
\end{displaymath} (180)

que revela, ao mesmo tempo, a inevitabilidade do tunelamento (a ausência de tunelamento seria $T/R=0$) e se trata de um efeito pequeno, para valores apreciáveis de $a$.

Posteriormente, quando estudarmos a aproximação quase-clássica, seremos capazes de obter expressões mais simples para o tunelamento.

Henrique Fleming 2003