Subsections
Uma partícula de massa
se move sob a ação
de um campo de forças que confere à partícula uma
energia potencial
tal que
 |
(71) |
como descrito na figura.
Vamos considerar primeiro o caso
, onde
é a energia
total da partícula. No caso clássico, a partícula não
pode atingir as regiões I e III. De fato, sua energia total é
, ou seja,
. Nas regiões I e III
temos
, o que daria
. Mas
, o que daria uma
energia cinética negativa, impossível.10
Na região II não há problema, pois teríamos
 |
(72) |
e é possível ter energia cinética positiva mesmo com
.
A equação de Schrödinger para os estados estacionários é
![\begin{displaymath}
\left[-\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2}{dx^2}+ V(x)\right]\phi(x)=E\phi(x)
\end{displaymath}](img296.png) |
(73) |
Para
ou
, temos
, e
Pondo
 |
(76) |
temos
 |
(77) |
cuja solução geral é
 |
(78) |
Para
o termo em
é inadequado, pois daria
uma probabilidade de localização da partícula tendendo
a infinito para
. Logo, temos de tomar
. Assim,
 |
(79) |
Por um raciocínio análogo,
 |
(80) |
Nas soluções acima
e
são constantes
arbitrárias, a determinar posteriormente.
Na região interna,
, e a equação é
 |
(81) |
ou
 |
(82) |
Pondo
 |
(83) |
temos a solução geral
 |
(84) |
A energia potencial
descrita acima é uma função
descontínua, e portanto não-diferenciável, nos pontos
e
. A equação diferencial deve ser, então, tratada como 3
equações, uma para cada região onde
é contínua e
diferenciável. Por isso a resolvemos separadamente para as regiões
I, II e III.
O potencial descontínuo é uma idealização de um potncial
semelhante, mas de ``bordas arredondadas'', alguma coisa assim:
A razão prática para tratar o potencial idealizado, e não o
``real'', é que assim é muito mais fácil resolver a
equação diferencial.
O preço que se paga pelo uso de um potencial descontínuo é:
como ``ligar'' entre si as soluções das três regiões? A
matemática nos dá a chave: como a equação diferencial é de
segunda ordem, sua solução é determinada dando-se, em um
ponto, o valor da função e de sua derivada primeira. Então,
para conectar as regiões, procedemos assim: em um ponto comum às
regiões I e II (este ponto é
) exigimos que
e
, onde
é a solução na região I, e
é a solução
na região II. Para conectar as regiões II e III, agimos da mesma
forma:
Em
,
 |
(85) |
 |
(86) |
Em
,
É uma questão de técnica determinar as constantes. Dividindo
(85) por (87) temos:
 |
(89) |
Pondo
, temos
 |
(90) |
Dividindo (86) por (88) temos
 |
(91) |
ou
 |
(92) |
Combinando (90) e (92), temos
 |
(93) |
De onde se tira sem dificuldade que
 |
(94) |
Isto nos informa que temos ou
ou
. Para
as
funções são, na região
, cosenos, ou seja,
são funções pares de
. Para
, são senos, ou
seja, funções ímpares de
. Vamos tratar os dois casos
separadamente.
(i)
(funções ímpares).
Note que
, pois
, já que a função é
ímpar.
Para
temos as relações:
É desnecessário fazer uso das relações em
, porque,
sendo a função ímpar, elas repetem as relações em
.
Dividindo a de cima pela de baixo, obtém-se:
 |
(100) |
É esta equção que irá determinar para que valores da energia
existem estados estacionários nesse poço. Equações deste tipo
(que não são equações algébricas11, e só em
raros casos podem ser resolvidas analiticamente. Este não é, infelizmente,
um desses raros casos. Recorre-se então a soluções numéricas.
Neste particular caso, porém, é possível usar um método
gráfico que ilustra muito bem as características gerais da solução.
Em primeiro lugar, vamos escrever (100) de outra forma. Introduzo as variáveis
e
, que são tais que
 |
(101) |
ou
 |
(102) |
Nessas variáveis, a equação (100) fica
 |
(103) |
Mas
 |
(104) |
logo,
![\begin{displaymath}
-\frac{\xi}{\eta}=-\xi\left[\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}a^2-\xi^2\right]^{-\frac{1}{2}}
\end{displaymath}](img358.png) |
(105) |
e a equação (103) se escreve
![\begin{displaymath}
\tan{\xi}=-\xi\left[\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}\;a^2-\xi^2\right]^{-\frac{1}{2}}
\end{displaymath}](img359.png) |
(106) |
Cada solução desta equação dá um valor de
, e, portanto,
um valor de
, ou seja, de
. Esta é, por isso, a equação para
os autovalores da energia .
A idéia é a seguinte: traço os gráficos da função
e
da função que está no segundo membro de (106). Onde as
curvas se cortem estarão os valores de
que são as soluções
de (106).
Para traçar a curva da função que está no segundo membro, vamos estudar
um pouco suas propriedades.
Vamos analisar a função
![\begin{displaymath}
f(\xi)=-\xi\left[\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}a^2-\xi^2\right]^{-...
...{1}{2}}
=-\xi\left(\mathcal{A}^2-\xi^2\right)^{-\frac{1}{2}}
\end{displaymath}](img363.png) |
(107) |
Sua derivada pode ser escrita, após alguma álgebra,
 |
(108) |
e é sempre negativa, tornando-se
para
, isto é
 |
(109) |
O gráfico abaixo contém as curvas
e
As soluções da equação
![\begin{displaymath}
\tan{\xi}=-\xi\left[\frac{2m}{\hbar^2}V_{0}a^2 -\xi^2\right]^{-\frac{1}{2}}
\end{displaymath}](img370.png) |
(110) |
são as interseções dessas duas curvas. Como
e
, os valores
de
que satisfazem a equação acima permitem calcular os valores de
correspondentes. Esses serão os valores possíveis para a energia
do sistema.
Vemos assim que o número de autovalores da energia para os estados
ímpares é finito, podendo ser nulo (se
).
(ii)
(soluções pares).
Neste caso as equações ficam:
Comparando (111) com (113) vemos que
. Dividindo
(114) por (113) temos, então,
 |
(115) |
e, introduzindo de novo as variáveis
e
,
 |
(116) |
com
 |
(117) |
de maneira que a equação que determina os autovalores da energia
é
 |
(118) |
Seja
 |
(119) |
Temos que
(
) e
, e, ainda,
Podemos concluir então que o poço quadrado possui sempre soluções
de energia negativa. Os autovalores da energia de tais estados são discretos e
em número finito. O menor valor, correspondente ao estado fundamental,
ocorre para um estado cuja função de onda é par.
O interpretação probabilística da mecânica
quântica é introduzida pelo postulado de Born12, que diz que
é a probabilidade de a partícula, cuja função de onda
é
, estar, em um determinado instante, num elemento
de volume
em torno do ponto de coordenadas
.
Queremos examinar o que ocorre com
quando o
movimento da partícula é levado em conta.
A equação de Schrödinger diz que
 |
(122) |
Tomando-se o complexo conjugado, termo a termo,
temos
 |
(123) |
Multiplicando (122) à direita por
e (123) à esquerda por
e subtraíndo,
obtemos
 |
(124) |
O segundo membro pode ser posto numa forma mais transparente,
notando que
 |
(125) |
ou
 |
(126) |
Tomando o complexo conjugado desta relação:
 |
(127) |
Subtraíndo (127) de (126),
 |
(128) |
Levando (128) ao segundo membro de
(124), chega-se a
 |
(129) |
Introduzindo as notações
temos, então,
 |
(132) |
que tem a forma da equação da continuidade, conhecida seja
da mecânica dos fluidos, onde explicita a conservação
da massa do fluido, seja do eletromagnetismo, onde faz o mesmo
para a conservação da carga. Poderíamos então dizer
que ela expressa, aqui, a conservação de probabilidade.
Assim como, no eletromagnetismo, a equação da continuidade
fornece detalhes sobre como se dá a conservação da carga
13, na mecânica quântica ela faz o mesmo com
a probabilidade.
Aqui convém adotar uma linguagem que, embora eqüivalente, é
mais familiar do que a que usamos até agora. Suponhamos que, em vez
de uma partícula, considerássemos um conjunto de réplicas
da partícula, idênticas, ou seja, com a mesma função
de onda, e independentes, isto é, que não interagem. Sejam
essas réplicas. Se normalizarmos a função de onda de modo que
 |
(133) |
estendendo-se a integral a todo o espaço, e considerarmos
um volume
delimitado por uma superfície
fechada,
a integral
 |
(134) |
dará, não a probabilidade de uma partícula estar em
,
mas o número
de partículas, das
existentes,
que estão dentro de
. Seja
o campo das normais externas
à superfície
. Temos
 |
(135) |
onde, na última passagem, fizemos uso do teorema do divergente.
Suponhamos que
decresça com o tempo. Então
, e
 |
(136) |
A Eq.(136) mede, portanto, o número de
partículas que, na unidade de tempo, saem do
volume
, atravessando a superfície
14(este saem, para ser mais preciso,
é o número de partículas que saem menos o de partículas
que entram, por unidade de tempo). Depreende-se disso que, se
é um trecho infinitesimal de uma superfície, e se
for uma normal a ela, então
é o número (resultante) de partículas que atravessam
por unidade
de tempo no sentido indicado pela normal. Se o número for negativo,
o fluxo majoritário será no sentido de
.
Uma partícula de massa
se move num campo de forças, com uma
energia potencial da forma
ou,
sendo sua energia total
localizada entre
e
.
Vamos procurar seus estados estacionários. Para especificar mais
o problema, digamos que a partícula incide sobre a barreira
vindo da esquerda.
Se estivéssemos tratando de estados localizados (pacotes de onda),
a caracterização deste particular problema (incidência da esquerda
para a direita) seria trivial. Mas, para estados estacionários, isto é,
tais que a probabilidade de posição não depende do tempo, isto é mais
sutil. Recorramos a uma imagem clássica. Para conseguir um fenômeno análogo
(isto é, sem dependência temporal) na mecânica clássica, precisamos recorrer
a muitas partículas, incidindo sobre a barreira da esquerda para a direita.
Imaginemos um fluxo contínuo dessas partículas. Depois de um certo tempo,
teremos uma figura que não se altera mais, constituída por um certo número
de partículas incidindo sobre a barreira, superpostas a um fluxo de
partículas refletidas por ela. Embora cada partícula esteja se movendo,
o conjunto todo parece parado, no regime estacionário. O fato de as partículas
virem da esquerda pode ser descoberto, neste regime estacionário, pelo fato
de que há partículas refletidas à esquerda da barreira.
Passemos ao caso quântico. No regime estacionário esperamos ter, como no caso
clássico, ondas incidentes e ondas refletidas, à esquerda da barreira. Mas, e esta
é a principal diferença introduzida pela mecânica quântica neste problema,
pode haver ondas saindo da barreira, no lado direito. O que caracteriza,
então, o problema estacionário como advindo de uma partícula incidente
da esquerda para a direita é que, do lado direito da barreira, existem apenas
partículas afastando-se da barreira.
Para
temos as regiões I e III, onde a partícula não está sujeita
a nenhuma força. Nestes casos,
 |
(137) |
ou
 |
(138) |
onde usamos
 |
(139) |
A solução geral de (138) é
 |
(140) |
e é um estado estacionário, portanto, com dependência temporal
dada por uma exponencial:
 |
(141) |
onde
 |
(142) |
A corrente de probabilidade
dá, para a as parcelas que constituem a função (140):
(i)Para
(
),
 |
(143) |
ou seja,
representa uma partícula com velocidade positiva, movendo-se
da esquerda para a direita.
(ii) Para
, temos
, e a partícula se move da direita para
a esquerda.
Para fixar o nosso problema, diremos então que, na região I teremos
 |
(144) |
que inclui a partícula incidente (
) e a refletida
(
).
Na região III tenderíamos a supor que a função de onda fosse
zero, baseando-se na mecânica clássica, pois uma partícula clássica
não pode atravessar a barreira: na zona II ela teria uma energia cinética
negativa! Porém, se fizessemos esta hipótese, não encontraríamos
solução. Pomos, então,
 |
(145) |
que descreve uma partícula que, vindo da esquerda, ultrapassou a
barreira.
Finalmente, dentro da barreira (região II), a equação de
Schrödinger é
 |
(146) |
ou
 |
(147) |
com
 |
(148) |
A solução geral desta equação de Schrödinger é
 |
(149) |
Vamos denominar ``função de onda incidente'' ao termo
 |
(150) |
``função de onda refletida'' ao termo
,
e ``função de onda transmitida'' ao termo
.
A densidade de corrente incidente é
 |
(151) |
Definimos
 |
(152) |
como a densidade de corrente refletida, e
 |
(153) |
como a densidade de corrente transmitida. Então, devemos ter
(para que não desapareçam partículas),
 |
(154) |
Definido os coeficientes de reflexão e transmissão por
podemos então escrever a relação entre as correntes como
 |
(157) |
Note que a densidade de corrente dentro da barreira
é zero (calcule!). Logo, usando
 |
(158) |
vemos que, dentro da barreira,
,
ou seja,
é constante. Logo, não há variação no
número de partículas, dentro da barreira.
A continuidade das funções de onda e suas derivadas em
e
dá as seguintes condições:
(i) Para
:
(ii) Para
:
Dividindo (161) por (162):
 |
(163) |
de onde se tira
 |
(164) |
Como a função de onda dentro da barreira é
 |
(165) |
temos, escrevendo
em termos de
,
 |
(166) |
onde se vê que o termo dominante é a exponencial decrescente
.
Voltando à equação (161), obtém-se facilmente
que
 |
(167) |
e
 |
(168) |
Vamos introduzir as quantidades
 |
(169) |
As equações
(159),(160),(161),
(162) então ficam:
Como
,temos
 |
(174) |
Introduzindo os símbolos auxiliares
 |
(175) |
e
 |
(176) |
podemos, após alguma álgebra, obter
 |
(177) |
 |
(178) |
e
 |
(179) |
de onde se vê que o comportamento assintótico
de
é dado por
 |
(180) |
que revela, ao mesmo tempo, a inevitabilidade do
tunelamento (a ausência de tunelamento seria
) e se trata de um efeito pequeno, para
valores apreciáveis de
.
Posteriormente, quando estudarmos a aproximação
quase-clássica, seremos capazes de obter expressões
mais simples para o tunelamento.
Henrique Fleming 2003