Poço quadrado unidimensional infinito

Este é o problema mais simples envolvendo um sistema localizado. Uma partícula move-se livremente ao longo do eixo $x$, exceto pelo fato de que, nas posições $x=0$ e $x=a$, existem paredes impenetráveis: exige-se, isto é, que a probabilidade de a partícula estar fora do intervalo $0 \leq x \leq a$ seja estritamente $0$. Formalmente isto se realiza exigindo que a função de onda da partícula seja nula nas paredes, que podem ser consideradas infinitamente espessas. Portanto, $\psi(x)=0$ para $x \geq a$ e para $x \leq 0$.

Procuremos os estados estacionários. Na região interna às paredes, temos

\begin{displaymath}
-\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2}{dx^2}\psi(x)=E\psi(x)
\end{displaymath} (52)

onde $E$ é um número positivo ou nulo. (O ``fundo do poço'' é o ponto de energia zero, por definição). A Eq.(52) pode ser reescrita como
\begin{displaymath}
-\frac{d^2}{dx^2}\psi(x)=\frac{2m}{\hbar^2}E \psi(x)
\end{displaymath} (53)

e, introduzindo
\begin{displaymath}
k^2 = \frac{2m}{\hbar^2}E
\end{displaymath} (54)

temos
\begin{displaymath}
\frac{d^2 \psi(x)}{dx^2}=-k^2 \psi(x)
\end{displaymath} (55)

Esta é uma equação diferencial bem conhecida. Sua solução geral é:
\begin{displaymath}
\psi(x)=A \sin{kx} + B\cos{kx}.
\end{displaymath} (56)

Temos, adicionalmente, as condições de contorno
\begin{displaymath}
\psi(0) = \psi(a) =0
\end{displaymath} (57)

Para satisfazer $\psi(0)=0$, basta tomar $B=0$, pois o seno se anula automaticamente em $x=0$. Então, antes de usar a segunda condição de contorno, temos
\begin{displaymath}
\psi(x)=A\sin{kx}
\end{displaymath} (58)

A segunda condição de contorno exige que
\begin{displaymath}
A \sin{ka}=0
\end{displaymath} (59)

e sabemos que o seno se anula em qualquer arco da forma $n\pi$, com $n$ inteiro qualquer. Logo, devemos ter
\begin{displaymath}
ka = n\pi
\end{displaymath} (60)

ou seja, $k$ tem seus valores restritos aos da forma
\begin{displaymath}
k_{n}=\frac{n\pi}{a}
\end{displaymath} (61)

onde acrescentamos um índice a $k$ para maior clareza. Em suma, as soluções da equação de Schrödinger (52) que satisfazem as condições de contorno (57) são
\begin{displaymath}
\psi_{n}(x)=A\sin{\left(\frac{n\pi}{a}x\right)}
\end{displaymath} (62)

com $n=0, 1, 2\ldots$.9

Note-se que é a condição de a função de onda se anular em $x=a$ que restringe os valores de $k$, e portanto os valores da energia , já que

\begin{displaymath}
E_{n}=\frac{\hbar^2 k_{n}^2}{2m}=\frac{\hbar^2}{2m}\frac{n^2\pi ^2}{a^2}\;.
\end{displaymath} (63)

Diferentemente do que acontece na física clássica, a energia não varia continuamente: do valor $E_{n}$ passa-se, a seguir, ao valor $E_{n+1}$, e
\begin{displaymath}
E_{n+1}-E_{n}=\frac{\hbar^2}{2m}\frac{\pi^2}{a^2}\left[(n+1)^2-n^2\right]
=\frac{\hbar^2}{2m}\frac{\pi^2}{a^2}(2n+1)
\end{displaymath} (64)

Temos, isto é, um espectro discreto para a energia . Espectros discretos para a energia estão sempre ligados ao fato de o sistema ser localizado, isto é, ter localização restrita a uma parte finita do espaço. Sistemas que podem estar em toda a parte, como partículas livres, têm espectro contínuo.

É útil normalizar as funções de onda: os postulados interpretativos ficam mais simples, quando isto é feito. Para tanto, vamos exigir que

\begin{displaymath}
\int_{0}^{a}dx \vert\psi_{n}(x)\vert^2 =1
\end{displaymath} (65)

ou
\begin{displaymath}
\vert K\vert^2\int_{0}^{a}dx \sin^2{\frac{n\pi x}{a}}=1
\end{displaymath} (66)

Usando a relação

\begin{displaymath}
\sin^2{\frac{n\pi x}{a}}=\frac{1}{2}\left(1-\cos{\frac{2n\pi x}{a}}\right)
\end{displaymath}

obtemos
\begin{displaymath}
\frac{\vert K\vert^2}{2}\int_{0}^{a}dx\left(1-\cos{\frac{2n...
...\cos{\frac{2n\pi x}{a}}\right\}
=\frac{\vert K\vert^2}{2}a=1
\end{displaymath} (67)

Logo, $\vert K\vert^2=\frac{2}{a}$ e podemos escolher $K=\sqrt{\frac{2}{a}}$, já que a fase da função de onda é arbitrária. Assim,
\begin{displaymath}
\psi_{n}(x)=\sqrt{\frac{2}{a}}\sin{\frac{n\pi x}{a}}
\end{displaymath} (68)

leitor não terá dificuldades em mostrar o resultado mais geral:

\begin{displaymath}
\int_{0}^{a}dx \psi_{n}^*(x)\psi_{m}(x)=\delta_{nm}
\end{displaymath} (69)

que exibe a ortogonalidade das funções de onda correspondentes a energia s diferentes.

A função de onda completa para esses estados estacionários é então

\begin{displaymath}
\psi_{n}(x,t)=\sqrt{\frac{2}{a}}\sin{\frac{n\pi x}{a}}e^{-\frac{i}{\hbar}E_{n}t}
\end{displaymath} (70)

com $E_{n}=\frac{\hbar^2 n^2 \pi^2}{2ma^2}$.

Estados não estacionários, na realidade estados quaisquer, podem ser obtidos por combinações lineares desses $\psi_{n}(x,t)$.

Henrique Fleming 2003